HOME | NOTÍCIAS | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 

rio de janeiro
23/08/2004

Arte de construir instrumentos musicais se multiplica em favelas

A delicada arte de construir instrumentos de corda de forma artesanal será ensinada aos jovens do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a partir de setembro. A oficina de luthier – como é chamado esse tipo de artesão – começou na Baixada Fluminense, em São João do Meriti, em 1999. E já ensinou o raro ofício, dominado por poucos no Brasil, a cerca de 50 jovens.

A oportunidade agora será ampliada a novos estudantes, com a abertura de uma nova sede da ONG Geração de Semelhante, responsável pelo curso. Como instrutores, os próprios ex-alunos. A iniciativa de abrir a oficina foi do psicólogo Sebastião da Silva Rodrigues, o Sebaba, de 49 anos, fundador da ONG, e do luthier Manoel Benedito dos Santos, de 63 anos. "O projeto surgiu da necessidade de dar escolha aos meninos, ensinando uma profissão digna que os permita gerar renda com a venda dos instrumentos", conta Sebaba.

No curso, os alunos aprendem todo tipo de técnica relacionada à marcenaria para depois construir o instrumento. O professor da ONG Moizes Gonçalves de Araújo, de 50 anos, marceneiro e luthier, também aprendeu o ofício de graça, depois de muito perturbar Manoel, que já tinha sua própria oficina.

"Aprendi muita coisa e passar para as crianças é uma recompensa para mim", revela Moizes, que também ajudará a formar uma orquestra de cavaquinho.

Segundo ele, construir um instrumento leva cerca de um mês. O preço de venda varia de R$ 100 a R$ 1.500, dependendo do tipo de madeira e da fabricação. Geralmente, usa-se na montagem de um cavaquinho vários tipos de pinho - como os da Noruega, Suécia e Canadá. Para a traseira, utiliza-se o talo ou jacarandá.

Perspectiva de futuro
Ex-aluna da unidade de São João e uma das instrutoras do novo espaço do Jacarezinho, Clara Cristina Paixão de Oliveira, de 21 anos, afirma que o curso lhe deu perspectiva de um futuro melhor. Além de luteria, ela ensinará dança aos jovens da comunidade. E o que é melhor: receberá pelo trabalho.

Moradora de São João de Meriti, ela já foi rainha de bateria do grupo Flor do Amanhã, projeto social criado por Joãosinho Trinta, do qual o psicólogo Sebastião também fazia parte. Depois, Clara entrou para a oficina de cavaquinho oferecida pela ONG.

Ela conta que os alunos aprendem a serrar a madeira e a ler notas musicais, a partitura e a tocar. “Ter seu próprio instrumento, isso ninguém pode tirar de você. Você sabe que deu seu suor, mas no final exibe com orgulho: ‘fui eu que fiz’. Não vendo o meu por nada", ressalta ela.

Batente no bar
Alguns alunos que passaram pelo curso foram fisgados pela música. E decidiram seguir carreira. Como os estudantes Anselmo, Pablo e Marcelo, que também deverão fazer parte do grupo de instrutores do Jacarezinho.

Os três aproveitaram a chance para dar uma guinada na vida. Pablo Rodrigues, 22 anos, morador de Pilares, na Zona Norte, e Marcelo da Rocha Militão, 23, morador de São João, hoje complementam o orçamento tocando em bares nos fins de semana.

Já Anselmo Salgado Ferreira, de 26 anos, está cursando o quinto período da Escola de Música de São João de Meriti. Para ele, a mudança foi radical, porque seu sonho era ser mecânico. Agora, estuda para ser um músico reconhecido, sonho que persegue com firmeza e dedicação.

"Quando entrei para a oficina, não dava muito valor. Achava que apenas os meninos ricos podiam estudar música, mas mudou a minha vida. Foi paixão à primeira vista”, conta o rapaz. Ele começou a tocar cavaquinho, violão e clarinete e começou seu “objetivo de vida”. “Assim fui me dedicando cada vez mais e quero ser músico profissional", revela Anselmo, que toca na banda municipal de São João.

Marcelo, que toca violão e cavaquinho, diz que sossegou na vida. "Andava muito na rua, à toa. Agora prefiro ficar em casa estudando música". Todos os fins de semana, seu grupo Canto sensual se apresenta em lugares variados do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense.

Pablo faz sucesso tocando cavaquinho e banjo na noite carioca. Adepto do samba de raiz, ele já se arrisca a compor suas primeiras canções, sempre focando o sonho de um dia viver somente da profissão de músico. "O curso me fez ver que tenho dom", confessa.

Primeira namorada
O novo espaço da Geração de Semelhante foi cedido pelo Espaço Fama, que está abrindo uma unidade na entrada da favela, na rua Viúva Claudio. No local, haverá promoção de shows e, no prédio anexo, funcionará a ONG. Novos patrocinadores estão sendo buscados para aumentar a abrangência dos programas.

Além de marcenaria e luteria, Sebastião pretende desenvolver a Usina da Alegria, com aulas de dança; o Projeto Memória do Jacarezinho; e o programa Gestão da Terceira Idade. Este último visa capacitar pessoas da comunidade para o trabalho com crianças, em oficinas de papel e na formação de um grupo de bombeiros mirins.

Todos os projetos serão oferecidos aos moradores gratuitamente. O espaço, que está passando por obras de adaptação, deverá ser inaugurado no próximo dia 17 de setembro. Sebastião adianta que está negociando outro espaço no Centro Cultural Cartola, na Mangueira.

Mais uma leva de nove artesãos musicais saiu de um outro projeto - a Usina de Cidadania -oferecido para as comunidades da região da Maré, Caju, Benfica e Manguinhos. Concluído em julho, com Sebastião como colaborador, o projeto é patrocinado pela Refinaria e tem apoio profissionalizante do Senai.

O auxiliar de escritório aposentado Cid Marciano, de 55 anos, morador do Parque Erédia de Sá, em Benfica, um dos formandos do curso, acha que ser luthier é uma função bonita.

"O primeiro cavaquinho é que nem a primeira namorada. É emocionante ver a transformação daquele toco de madeira ganhando forma". No momento, ele planeja montar uma oficina de marcenaria com outros colegas do curso.


SÍLVIA NORONHA
do site Viva Favela

 
 
 

NOTÍCIAS ANTERIORES
20/08/2004 Jovens de favelas cariocas criam canal de TV ecológico
20/08/2004 Crianças ensinam como reciclar lixo à população de Mato Castelhano
20/08/2004 Projeto Horta Comunitária dá perspectiva a jovens
20/08/2004 Bazar une História e solidariedade
20/08/2004 Empresas unem ação social a Metas da ONU
19/08/2004
Moradores de favelas cariocas inventam uma saída para ter livros gratuitos
18/08/2004
Projeto orienta sobre direitos e obrigações
18/08/2004
Cursos livres ensinam o que faltou na escola
18/08/2004
"Meu projeto de vida é a inclusão social"
17/08/2004
Mãe dá apoio à família de jovens internados na Febem