Chega
de burrice
Ao desesperar-se
num congestionamento em São Paulo, daqueles em que
o automóvel não se move nem quando o sinal está
verde, o indivíduo deveria saber que, por trás
de sua irritação crônica e cotidiana,
está uma monumental burrice histórica.
Difícil
convencê-lo, e com razão, de que deveria deixar
o carro em casa e transferir o estresse ao motorista. Andar
de taxi custa caro; e o transporte público é
deficiente.
São
Paulo só chegou nesse caos porque um seleto grupo de
cretinos urbanos decidiu, no início do século,
que não deveríamos ter metrô.
A proposta
de metrô foi apresentada em 1926, quando a cidade tinha
800 mil habitantes. Imaginava-se, na época, fazer a
interligação entre os vários meios transporte.
Nada original:
já havia metrô funcionando em duas cidades da
América do Sul, Buenos Aires e Santiago. A primeira
linha começou a funcionar em 1863, em Londres, quando
ainda convivíamos com a escravidão.
Dando
prosseguimento à opção pelo carro, outro
seleto grupo de "gênios" aprofundou o estrago
e tirou os bondes da rua. O espaço que poderia ser
para transporte público não poluente foi preenchido
pelos automóveis e ônibus.
Como cresce
dia a dia o número de veículos, a tendência
é piorar ainda mais o congestionamento _ o que leva
técnicos a preverem como inevitável a implantação
de pedágios.
Tivessem
estimulado o transporte público, São Paulo seria
mais agradável, certamente com o centro histórico
preservado, mais áreas de lazer e espaço para
pedestres.
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Por trás
da burrice urbana, há uma lógica mais profunda
que molda quase a totalidade das cidades brasileiras. Até
porque molda a mentalidade nacional: somos uma nação
excludente, simbolizada no automóvel.
Sabemos
que a taxa de democracia de uma cidade se mede pela largura
de suas calçadas e extensão das áreas
de convivência para a maioria da população.
À
medida em que o espaço ao pedestre ia sendo engolido
para uso privado, construíamos uma das sociedades mais
desiguais do planeta, triste campeã em má distribuição
de renda.
É
simplesmente previsível que, nessa rota de marginalização,
também construíssemos aqui uma das comunidades
mais violentas do planeta.
Por ser
feia, violenta, congestionada, embora economicamente vibrante
e criativa, São Paulo provoca mais temor do que cumplicidade.
O paulistano opta por espaços fechados: carro, condomínios,
clubes, shopping centers.
Ao voltar-se
para dentro, privilegiando a esfera privada, deixou a política
municipal de lado. A atitude não foi diferente na imprensa,
considerando mais nobres os assuntos federais e estaduais.
Esquecemos
do óbvio: o que, de fato, abala todos os dias o humor
do cidadão não é a União nem o
Estado, mas a cidade. Não moramos nem na União
nem no Estado, mas numa cidade poluída, engarrafada
e suja.
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Em maior
ou menor grau, os prefeitos, autorizados direta ou indiretamente
pelo eleitor, continuaram reféns ou promotores de ações
excludentes; abriram-se mais viadutos, alargaram-se mais avenidas,
numa privatização do espaço público.
Naufragamos na profusão de out-doors.
Viramos
cada vez mais periferia, expulsando os moradores para regiões
desprovidas de poder público.
Nada mais
simbólico dessa mentalidade do que terem tirado o Palácio
do Governo do centro e transferido para o Morumbi, o condomínio
da plutocracia.
Ou, então,
terem jogado a prefeitura no Ibirapuera, um espaço
que só deveria ser dedicado ao lazer _ um erro parcialmente
consertado.
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Na onda
da exclusão e do desinteresse, não se prestou
atenção em quem ia ocupar as vagas na Câmara
Municipal.
Só,
agora, vimos com crueza o resultado desse desinteresse: montaram-se
quadrilhas de assaltantes no parlamento municipal.
Na busca
de apoio político, entregaram-se as administrações
regionais para essas quadrilhas, tornando a cidade ainda mais
ingovernável.
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Chegamos
aonde chegamos porque fomos orientados pela mistura de burrice
urbana e exclusão social. Isso agravou os inexoráveis
impactos das ondas migratórias e da crise da indústria.
E, pior,
com o consentimento direto ou indireto do eleitor, seja pelo
seu voto ou por sua omissão.
O que,
em essência, está em jogo hoje é mais
do que a disputa de um prefeito ou dos vereadores.
É
a chance do eleitor agarrar nas mãos a cidade e tentar
torná-la um espaço mais agradável e democrático,
viabilizando-a para gerar bem-estar social.
Cidade
agradável é mais do que prazer. É condição
indispensável para atrair e manter os talentos, as
pessoas que produzem, inovam e renovam, transformando inteligência
em riqueza.
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PS- Como
estou convencido de que a temática urbana entrou, para
ficar, na agenda do paulistano e cada vez mais se criam soluções
de revitalização das cidades, aposto que caminhamos
para uma situação que hoje parece impensável.
Vamos
dar tanta ou mais atenção no futuro à
eleição do prefeito ao do que presidente.
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