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Decifra-me
ou te mato
Apresentada
na última sexta-feira pela polícia como uma
das autoras do assassinato de seus pais, ocorrido no mês
passado, em São Paulo, Suzane Richthofen, de 19 anos,
tem muito a ensinar sobre a atual geração de
jovens de classe média.
A violência
de uma filha contra os pais, a ponto de levar ao homicídio,
é obviamente um caso isolado, raríssimo. Mas
é um ato que se presta a símbolo de uma tendência
visível entre jovens: a de não saber lidar com
os limites e com a frustração. É uma
situação de escravização ao desejo,
alimentada por uma sociedade que estimula a satisfação
imediata das vontades. Essa é a radicalidade do consumismo.
Viver é satisfazer imediatamente os desejos.
Suzane
Richthofen disse que, ajudada pelo namorado, matou por amor.
O pai, um engenheiro, e a mãe, uma psiquiatra, não
gostavam do namorado e estariam inviabilizando a relação.
Como não conseguiu a autorização para
manter o relacionamento e não queria fugir de casa
-até porque não sabia como iria assegurar o
padrão de vida-, optou pelo assassinato.
"Ela
se comportou como uma menina que, por causa de um brinquedo,
faz escândalo na porta da loja, indiferente ao desespero
e à dor dos pais", analisa o psiquiatra Içami
Tiba, especialista em juventude. "Vemos hoje, com muita
frequência, jovens que não conseguem sair da
infância, que são autocentrados. Agem com a irresponsabilidade
de uma criança, mas com a força do adulto."
Há
tempos, educadores e psicólogos têm alertado
sobre a crescente dificuldade de impor limites em sala de
aula, sobre a arrogância dos alunos que descamba para
o desrespeito, sobre o consumo excessivo de drogas, principalmente
álcool, e sobre uma atitude de descaso, do tipo "tanto
faz".
Virou
tema rotineiro nos seminários de educação
o prejuízo causado nas crianças e adolescentes
por uma sociedade que reverencia o consumo e, ao mesmo tempo,
por pais que não enfrentam a frustração
dos filhos. Esse tipo de pai ou de mãe ganhou o apelido
de "adultescente", a mistura do adulto com o adolescente.
"Estamos
presenciando uma geração de pais que não
consegue impor limites e, pior, faz de tudo para que os filhos
nunca se frustrem. As crianças ficam ainda mais vulneráveis
à dor", comenta Rosely Sayão, educadora
e psicóloga, convencida de que Suzane é o caso
extremado e doentio da intolerância de administrar limites
e frustração.
Tempos
atrás, Suzane possivelmente teria transformado a inconformidade
em fuga de casa. Iria morar sozinha, assumindo uma postura
adulta. Estaria sujeita às mais diversas privações
materiais, mas experimentaria uma aventura enriquecedora.
Teria sempre a deliciosa lembrança de um delírio
apaixonado. "O curioso é que ela age como uma
adolescente indefesa quando demonstra necessitar da aprovação
dos pais, mas age como uma adulta ao planejar um assassinato",
analisa.
Conhecido
por criticar a "adultescência", o psiquiatra
Içami Tiba costuma receber em seu consultório
casais aflitos com a agitação e a indisciplina
dos filhos, quase donos da casa, mandando e desmandando. "Um
dia eu perguntei a uma mãe qual era a idade do filho
que tanto a tiranizava. Ela me disse que ele tinha três
anos. E eu lhe disse, então, que seria melhor que deixasse
o filho sossegado e fosse, ela própria, procurar tratamento."
A busca
da satisfação imediata estimula a impulsividade
e a hiperatividade. Basta ver a relação dos
adolescentes com os meios de comunicação, conforme
detectou recentemente uma pesquisa da MTV sobre o que chamou
de "geração zap". "Zap"
vem de ficar "zapeando". Com o controle remoto,
trocam-se, sem parar, os canais da televisão.
Submetem-se
ao mesmo tempo a todos os estímulos. Não conseguem
assistir a um mesmo programa por muito tempo - o rádio
está ligado, a internet acionada, folheia-se uma revista
ou fala-se ao telefone. A dificuldade de ler livros está
associada, de um lado, à escola, que não sabe
encantar pelas palavras, mas, de outro, à dificuldade
de parar quieto e focado num só tema.
Vivemos
numa sociedade que reverencia a velocidade - o reinado do
tempo real -, o efêmero tecnológico, o corpo
(as modelos são chamadas a dar opiniões sobre
qualquer coisa), o desempenho, o sucesso individual, a moda.
O valor das pessoas está muito mais no ter e, principalmente,
no aparentar do que no ser.
Nada disso
foi criado agora. São atitudes que acompanham a humanidade:
o filho apaixonado que mata o pai aparece desde a Grécia
antiga (daí surgiu o tal "decifra-me ou devoro-te").
Mas, certamente, o culto do desempenho, da aparência
e do consumo está mais extremado numa sociedade que
parece ter extirpado as utopias, trocando-as pelo narcisismo
coletivo -justamente isso provoca o extremo de uma jovem arquitetar,
"por amor", a morte dos pais.
P.S.-
Por falar em maturidade, Lula deu um sinal positivo na semana
passada, durante o encontro com empresários, sindicalistas
e representantes de entidades não-governamentais, mostrando-se
disposto a mudar a óbvia asneira de sair por aí
distribuindo alimentos. É uma política assistencialista,
fonte de desperdícios e típico exemplo de imaturidade
em política pública.
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