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Lula
está aprendendo (e bem) matemática
O presidente
do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, atacou,
na semana passada, a ofensiva do PT para reduzir os gastos
com as aposentadorias públicas. Involuntariamente (imagino,
afinal um juiz deveria ser isento nas questões que
irá julgar), ele virou o principal porta-voz de um
dos segmentos do funcionalismo mais incomodados com as eventuais
mudanças na Previdência: os servidores do Judiciário.
Um aposentado
civil ganha em média, por mês, R$ 2.171 - a metade
do que recebe um militar. Os servidores do Judiciário,
no entanto, despedem-se do batente com R$ 7.308 no bolso todos
os meses - nenhum segmento terá sofrido tantas perdas
quanto eles, se forem aprovadas as mudanças defendidas
pelo governo.
Transformada na principal discussão nacional, as aposentadorias
públicas revelam que o PT, no geral, e Luiz Inácio
Lula da Silva, tão resistentes até bem pouco
tempo atrás a mudanças na Previdência,
atrelados aos votos do funcionalismo, se viram forçados
a aprender ou a mostrar que sabiam matemática.
Feitas
as contas na ponta do lápis, o que se pergunta é
o seguinte: até onde vai o limite dos governos federal,
estaduais e municipais em investir mais recursos contra a
pobreza, arcando com os crescentes gastos com os inativos?
O déficit, nas aposentadorias públicas, para
prefeitos, governadores e presidente, beira os R$ 70 bilhões
anuais.
Comparemos.
Os documentos do PT informam que, se houvesse todos os anos
R$ 5 bilhões para investir contra a fome, não
haveria um único brasileiro sem comer bem três
vezes ao dia. Os gastos com os funcionários aposentados
são 14 vezes esse sonho.
Esses
mesmos R$ 5 bilhões poderiam dobrar a Bolsa-Escola,
que ajuda 10 milhões de crianças com uma renda
mensal, para cada uma, de R$ 15; daí ter sido apelidada
pelo PT de "bolsa-esmola".
A primeira questão que surge, independentemente dos
aspectos legais, é simples: faz sentido gastar tanto
com os inativos e tão pouco com crianças ativas?
É
justamente dessa pergunta que vem o aprendizado de matemática
do PT.
Nesse
aprendizado, o partido sofistica seu discurso e mostra que
a exclusão não é resultado de uma briga
de mocinhos (os trabalhadores e pobres) contra bandidos (os
capitalistas globalizados, os banqueiros, patrões,
governos dos países ricos), mas de um complexo sistema
de apropriação de recursos.
O que está, de fato, em debate não são
os aposentados, mas uma reinvenção dos gastos
sociais no Brasil - e certamente está aqui a chance
de Lula realizar uma revolução. Possivelmente,
a esquerda tenha mais condições de dar essa
guinada.
Falo
em revolução e não exagero. Pela mesma
porta das aposentadorias públicas, entrarão,
na marra, muitas outras incongruências, no país
da "bolsa-esmola". A matemática dos orçamentos
prova que os recursos sociais não vão, em sua
maior parte, para os mais pobres.
Pela mesma
razão que se investe contra o funcionalismo, mais cedo
ou mais tarde estarão na mira tabus, por exemplo, como
a garantia de ensino gratuito para os mais ricos nas universidades
federais e estaduais.
Dificilmente
sairão incólumes os incentivos para a produção
artística, muitas vezes projetos comerciais nos quais
os pobres entram somente como porteiros ou faxineiros de teatros,
cinemas e exposições. Ou os recursos públicos
drenados para festas de chiques e famosos, como os camarotes
do Carnaval em Salvador, como o de Flora Gil, mulher do ministro
da Cultura, Gilberto Gil.
Além da falta de foco, há uma conta praticamente
impossível de ser feita, onde reside, de longe, o maior
desperdício: a falta de continuidade e de coordenação
de programas governamentais, provocada pelas picuinhas dos
políticos e pela ineficiência administrativa.
Nunca ninguém mediu, de verdade, o impacto de programas
de qualificação profissional, mas o pouco que
se sabe recomenda auditorias. Assim como há indícios
de que o computador nas escolas, pela falta de treinamento
dos professores, é dinheiro que sai pelo ralo. Apenas
quando um assunto mais polêmico ganha visibilidade é
que vemos o tamanho da tragédia, como no caso da Febem,
onde um interno custa até R$ 7.000 por mês.
A arrumação
dos gastos, em discussão dentro do governo, baseia-se,
paradoxalmente, numa visão empresarial dos gastos sociais,
com o cálculo da relação custo/benefício,
a fixação de metas claras e o estabelecimento
de parceria nos níveis federal, estadual e municipal.
Se essa
matemática vai sair do papel durante o governo Lula,
ainda não sabemos. Até porque a campanha da
fome, que deveria ser a referência de Lula, é,
por enquanto, mais um contra-exemplo, repetindo vícios
passados, em vez de oferecer um novo modelo de racionalidade
administrativa.
P.S. - Nem os contribuintes sabem fazer as contas. Se soubessem,
estariam ainda mais irritados com os desperdícios públicos.
Pedi a técnicos da Receita Federal que calculassem
quantos meses um indivíduo de classe média trabalha
só para o governo, pagando impostos diretos e indiretos.
Resposta: três meses e 17 dias. A seguir esse ritmo,
haverá mais meses de trabalho apenas para o governo
e, pior, somente para manter funcionários ativos e
inativos.
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