Lula
entra no ano com o pé esquerdo
Ainda
na euforia da vitória e reafirmando a disposição
de mudança social, José Dirceu, futuro chefe
da Casa Civil, brincou: "O PT vai começar a governar
com o pé esquerdo". Acertou, mas ninguém
no partido, a começar de Lula, está rindo.
Na sexta-feira
passada, foi anunciado que a inflação de novembro
tinha atingido a marca de 3%, o maior índice desde
1994. É um trágico início de mandato.
Lula ganhou a eleição porque acreditaram que
ele fosse produzir mais empregos, aumentar os salários
e diminuir a fome -e, pior, tudo isso ao mesmo tempo e rapidamente.
A herança
do presidente Fernando Henrique Cardoso de uma inflação
de dois dígitos, perversa especialmente em relação
aos alimentos, complica ainda mais a já complicadíssima
agenda do presidente eleito, obrigado a fazer do combate à
alta de preços -e não do crescimento- a prioridade
zero do seu primeiro ano de administração.
Estão
começando com o pé esquerdo -e pouco por culpa
deles, apesar da insegurança que geraram. São
obrigados agora a recorrer a medidas que o PT considerava
de "direita".
Para segurar
a inflação -e ele próprio não
cair-, Lula terá ainda maiores dificuldades de oferecer
mais empregos e melhores salários. Por falta de alternativa,
os juros serão altos e os gastos sociais apertados.
Combater
a fome é a sua prioridade. Ocorre que a inflação
no final da gestão FHC atinge mais os alimentos, maior
fonte de despesa dos mais pobres. Traduzindo: iniciaremos
o próximo ano com menos comida na mesa dos pobres.
Fernando
Henrique entrou no primeiro mandato com o pé direito
(inflação em baixa e crescimento em alta). Depois
apanhou de todos os lados e desgastou-se em várias
frentes. É certo que se reelegeu, mas o cansaço
com a crônica crise municiou a oposição,
montada na bandeira da mudança. Salvou-se pessoalmente
porque a estabilidade dos preços garantiu-lhe uma marca
registrada, uma espécie de salvo-conduto popular.
Economistas
alertaram, na semana passada, que a tão alardeada campanha
Fome Zero corre o risco de apenas repor o estrago que a inflação
está fazendo no bolso do pobre, obrigado a pagar mais
pela comida.
Para fazer
como Lula, que sempre gosta de criar alegorias com o futebol,
pode-se dizer que é algo parecido a um time vencer
a partida com um gol de diferença, mas não ser
classificado porque tinha de fazer mais dois gols.
Mas a
campanha contra a fome é ainda uma incógnita.
A proposta dos cupons vem sendo bombardeada por todos os lados,
inclusive por gente do PT, como Cristovam Buarque, o criador
da bolsa-escola. "É um retrocesso", afirma.
Os números
de subnutridos são os mais divergentes, não
se sabe como a campanha vai ajudá-los e quais serão
os recursos disponíveis. Note-se que essa é
a principal bandeira da primeira fase do governo Lula.
Parte
da elevação da renda dos pobres na era FHC se
deveu ao fato de que a inflação permaneceu baixa
no geral, mas especialmente baixa para os alimentos. Por isso
milhões de brasileiros saíram da linha da miséria.
Ainda assim, sobressaiu a imagem de um governo que pouco fez
pelos pobres.
Atacaram
muito o governo de FHC, e pouca gente (nem mesmo o candidato
oficial) saiu em sua defesa. Mas quase ninguém o atacou
pessoalmente, algo que, com a bomba nas mãos, Lula
e o PT serão tentados a fazer (e com razão,
diga-se), até para dar uma justificativa à opinião
pública.
É
um recurso, no entanto, com prazo de validade. Os cidadãos
não suportam políticos "reclamões",
afinal esperam deles muito mais as soluções
que vêm da esperança do que as lamúrias
que produzem medo.
O pior
que poderia ocorrer a Lula, neste momento, seria a troca da
esperança de crescimento pelo medo da inflação.
Ele está ameaçado pela ruptura de algo que a
população supunha garantido -a estabilidade
dos preços.
Na melhor
das hipóteses, se evitar o aumento da inflação,
terá assegurado a conquista de seu antecessor sem ganhar
nenhum mérito; afinal, preços estáveis
não são novidade.
PS - A
melhor proposta para acabar com a fome (e nem foi pensada
para tal objetivo) é a de Cristovam Buarque: a bolsa-pré-escola.
É cara e de difícil implementação,
mas tem consistência. Os pais receberiam uma bolsa para
manter seus filhos na creche e na pré-escola (educação
infantil). Os municípios seriam estimulados a oferecer
vagas. As crianças receberiam, no mínimo, duas
refeições diárias e os pais ainda teriam
uma renda extra. Os educadores sabem que o primeiro passo
para uma educação de qualidade é universalizar
o atendimento educacional para crianças de zero a seis
anos.
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