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economia solidária
16/11/2004
Especialistas apontam a necessidade de uma legislação mais adequada

A economia solidária vem crescendo no país a cada ano. No entanto, a legislação parece ser ainda um embate a ser enfrentado pelos empreendimentos para se fortalecerem e ampliarem suas ações. Surge, cada vez mais, a necessidade de se criar mecanismos jurídicos para reconhecer esta nova economia a fim de garantir direitos aos seus trabalhadores também. Essa é a opinião dos especialistas participantes do Fórum de Economia Solidária, realizado pelo Senac São Paulo, no dia 8 de novembro, com o tema "Aspectos Jurídicos da Economia Solidária".

Fábio José Bechara Sanchez, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Economia Solidária, ressaltou que, a primeira barreira é enquadrar a economia solidária, já que este é ainda um conceito em construção, com muitas fronteiras em aberto. Hoje, define-se economia solidária como toda forma de organizar a produção, a circulação, o crédito, o consumo, regidos pelo princípio da democracia e organização coletiva e autogestão Isso significa que cada um dos membros da atividade econômica tem direito ao voto e à voz, independente do capital que tenha investido ou o cargo que ocupa.

De acordo com deputado Simão Pedro, da Comissão Parlamentar de Economia Solidária, o desafio se deve ainda pelo fato da economia solidária buscar uma nova cultura, frente aos valores da sociedade capitalista, que está baseada no individualismo e na busca do lucro, "combatendo valores da solidariedade, compromisso social, da ética". "Por isso temos muito trabalho pela frente, pois estamos remando contra a maré. Hoje, a cultura que existe diz que os problemas sociais, principalmente o desemprego, não são problemas da sociedade, mas sim algo individual, ou seja, culpa sua por não ter estudado, se esforçado", comentou.

Segundo Sanchez, hoje muitos empreendimentos solidários são juridicamente regulamentados como cooperativas. No entanto, nem toda cooperativa é economia solidária e vice-versa. Atualmente, a legislação das cooperativas ainda está muito relacionada às características rurais, o que não condiz com a realidade. Ele lembrou que, desde a década de 80, novas experiências começaram a ser desenvolvidas pelos trabalhadores numa organização coletiva, principalmente como fruto do aumento do desemprego e da exclusão social.

Neste processo, surgiram diversas entidades que vieram apoiar a constituição destes empreendimentos que buscavam gerar renda para seus membros. Nesse cenário, surgiram diversos casos de empresas em falência, em que seus trabalhadores assumiram o ativo do negócio e começaram a trabalhar na forma de autogestão, com apoio da Anteag (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresa de Autogestão) e da ADS (Agência de Desenvolvimento Solidário), ligada a CUT. Sanchez destacou ainda as várias cooperativas populares que surgiram nas periferias, além das ações nos assentamentos rurais, ligados ao MST e também incubadoras a partir das universidades.

A partir da década de 90, estas iniciativas começaram se articular, principalmente com o Fórum Social Mundial, e os Fóruns de Economia Solidária, tanto nacional quanto estaduais e municipais, surgindo assim políticas públicas em algumas cidades. Os empreendimentos começaram, portanto, a se organizar num movimento social, construindo uma plataforma de ações a partir dos gargalos da economia solidária. Um destes pontos de destaque, de acordo com Sanchez, foi justamente o marco jurídico que vem sendo discutido pela Secretaria de Economia Solidária junto ao movimento.

Para isso foi constituído um Grupo de Trabalho para estudar o assunto, com a proposta de criação de um estatuto da economia solidária, a fim de que haja uma regulamentação própria. O chefe de gabinete da Secretaria destacou algumas ações que vêm sendo feitas neste sentido, como o encaminhamento de um projeto ao Congresso Nacional, pelo deputado Gabeira, para a conceituação e definições das empresas de autogestão. Mas esse projeto está tramitando há anos no Congresso.

Outro posicionamento adotado pelo movimento foi definir o que realmente são cooperativas. Isso porque, de acordo com Sanchez, há um uso constante desta forma de regularização de forma fraudulenta, surgindo assim as "cooperfraudes" ou "coopergatos", que utilizam as cooperativas para precarizar o trabalho, durante um processo de terceirização, já que o cooperado não tem vinculo empregatício.

Hoje, acredita-se que 50% dos empreendimentos estão regulamentados como cooperativas. Os outros são associações, grupos informais e até sociedades anônimas. "Por isso precisamos pensar se vamos criar conceituação própria ou utilizar as formas jurídicas que já existem. Atualmente, um problema é que para se tornar cooperativa, é necessário se ter pelo menos 20 pessoas. E muitos grupos não trabalham desta forma", comentou Sanchez. O deputado ressaltou que, hoje, as melhores experiências são aquelas promovidas por cerca de cinco a sete trabalhadores.

Há ainda, na opinião de Sanchez, a necessidade da economia solidária dialogar com outras legislações, como a Lei de licitações ou compras públicas, com o objetivo do Estado, por exemplo, adquirir os produtos de empreendimentos sociais para formação e fortalecimento destes grupos. No entanto, isso ainda não ocorre. "A gente nunca consegue participar destas concorrências. O Estado não está preparado para receber a proposta. Assim, ficamos sempre concorrendo atrás de pequenos contratos, que não têm continuidade em longo prazo. Tudo tem que ser feito num ritmo louco para podermos manter o empreendimento auto-sustentável", desabafou Nilda Francisca de Araújo, presidente da Cooperativa de Trabalho Cooperbrilha, formada na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP (Universidade de São Paulo). A cooperativa foi formalizada em abril de 1999 e atua na área de jardinagem e construção civil, com a participação de 25 membros.

A lei de falências é outra que ainda apresenta entraves, mas poderia facilitar a manutenção dos postos de trabalho por parte dos trabalhadores que tenham interesse de assumi-las na autogestão. O chefe de gabinete ressaltou que foram feitas tentativas para incluir um artigo na lei que contemplasse essa possibilidade de recuperação das empresas, mas não teve sucesso.

Desta forma, estes trabalhadores têm dificuldade de ter acesso às políticas de crédito para capital de giro, pois estão em situação falimentar. Neste caso, a proposta é criar incentivos fiscais, apesar do pagamento de grande parte da dívida, seja para a União ou para os Estados, ainda não ter sido feito, até que esta empresa se recupere. Ele acredita que, apesar disto, as mudanças feitas na lei de falência teve avanços, como a recuperação judicial das empresas.

Na antiga legislação, havia uma demora de cerca de dez anos para ela ser passada aos trabalhadores, e, portanto, quando isso ocorria, a indústria já estava sucateada. Agora, com a nova lei, há uma possibilidade de agilizar o processo. Outra questão é sobre os tributos. "Precisamos pensar formas e incentivos fiscais para estas experiências. Uma opção seria incluir empreendimentos populares na formalização de super simples, que hoje é utilizada para empreendimentos individuais", comentou Sanchez.

"A questão da tributação é fundamental. Não temos como enquadrar estas iniciativas, que buscam a repartição da renda, a divisão mais solidária dos resultados, da mesma forma que as empresas privadas e capitalistas. Deve haver outro tipo de taxação", concluiu Simão. A legislação trabalhista também faz parte destas discussões, apontou Sanchez, pois hoje são direitos quase que exclusivamente dos empregados com carteira assinada, não englobando os cooperados, autônomos ou informais.

O deputado ressaltou ainda a constituição de uma Frente Parlamentar, multipartidária, que incorpora as experiências de vários vereadores, a fim de criar um projeto de lei para fomentar e dar apoio aos empreendimentos solidários. Ele acredita ser necessária a constituição de um fundo estadual e também de um conselho estadual, além de fortalecer espaços para esta discussão, como os Fóruns de Economia Solidária. Para Simão, o problema, no entanto, estaria na falta de continuidade dos projetos desenvolvidos pelos governos, quando muda a gestão, o que acaba interrompendo essas experiências e não permitindo avançar.

"A questão não é criar novas leis, mas sim políticas públicas. É isso que vai fazer diferença. São políticas de crédito, formação, tecnologia, conhecimentos específicos. O movimento mundial que vem atacando os direitos conquistados pelos trabalhadores. Tem que fazer frente ao processo de precarização como um todo. É a universalização dos direitos dos trabalhadores", comentou o chefe de gabinete da Secretaria.

Nilda lembrou ainda que a legalização não é a salvação para os empreendimentos. A falta de profissionais preparados para trabalhar junto a estes empreendimentos, na formulação de estatuto, documentos para a inscrição estadual, contabilidade, é outra barreira a ser enfrentada. "Além disso, não trabalhamos apenas com a geração de trabalho e renda. Os empreendimentos são formados por pessoas, que aprendem a autogerir e a se formar quanto cidadãos, e até se relacionar de forma diferente com a sua comunidade, já que trabalham com o desenvolvimento local. Por isso a necessidade de uma legislação específica. É algo muito bom que deve ser incentivado a permanecer", aponta a presidente da cooperativa, incentivando a sociedade civil a sugerir proposta e cobrar do poder publico.

Neste contexto é que se fortalecem, garante o deputado, as redes, principalmente quanto à viabilidade de comercialização dos produtos confeccionados pelos empreendimentos. As feiras solidárias são um exemplo de espaços que propiciam essa troca e fortalecem os empreendimentos. Sanchez destacou que já estão sendo articulados a criação de Centros Públicos de Economia Solidária, para que se torne algo permanente.

"Por isso o movimento precisa exigir e garantir o seu espaço. E Isso significa representação política, num movimento de mão dupla. O processo de participação exige que o governo se abra e depende das propostas dos movimentos", apontou Simão Pedro.

DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3

   
 
 
 

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