Música
20/08/08

Caixas e cilindros que viram som

Entenda um pouco mais do nobre ofício de criar instrumentos similares aos dos séculos 17 e 18

Curiosidade, paixão pela música, pela forma do instrumento, pelo som produzido por ele ou simplesmente a completa impossibilidade financeira de adquirir um, o que os força a construir os seus. Os luthiers brasileiros que hoje se dedicam à refinada arte de moldar caixas e cilindros, transformando-os em instrumentos com características próximas dos que existiram nos séculos 17 e 18, não vêm de uma linhagem familiar tradicional dedicada ao ofício, nem ao menos receberam a bênção da própria família.
"Sofri resistência da minha mãe, que é italiana, e meu pai, alemão, que viam com maus olhos a minha mudança de área (vivia da arquitetura) e acreditavam que aquilo tudo seria uma regressão", diz Roberto Holz, de 58 anos, que fez sua primeira flauta doce em 1984 por diversão. "Era um desafio muito grande na época, porque a gente não tinha referência, não tinha onde comprar ferramenta. Mas como houve demanda, isso acabou me impulsionando. Me animei e pensei que, se eu conseguisse vencer os obstáculos iniciais, poderia viver disso. Deu certo", afirma ele.

Luciano Faria, de 33 anos, que há pouco mais de 10 anos também vem se dedicando à luteria em Pirassununga, compartilhou dessa odisséia para fabricar o seu primeiro alaúde, que demorou seis meses para ficar pronto: "Usei um formão, um serrote, um martelo e uma plaina bem pequena e ruim", relembra hoje, aos risos. A aproximação com o alaúde aconteceu pelo fato de ter-se dedicado, durante toda a infância e adolescência, ao seu descendente, o violão. Com tanta vontade de tocar e pouco dinheiro para comprar, brotou a necessidade de criar. Apesar de suas vendas terem triplicado no Brasil do ano passado até agora, Faria afirma que 90% de sua produção ainda é destinada ao exterior. "Eu consegui ganhar estabilidade", conta ele, que trabalha com apenas dois assistentes. O luthier nascido no Rio acrescenta que, se pudesse, viveria uma semana como músico e a seguinte como mágico fazedor de instrumentos, mesmo tendo a certeza de que os sete dias como intérprete "não pagariam minhas contas".

O jovem músico Leonardo Takiy, de 20 anos, que será bacharel em violão pela Unesp no ano que vem, esperou cerca de um ano por seu alaúde, encomendado a Faria. O luthier explica que a construção não demora (leva apenas cerca de 10 dias), mas o problema é a fila de espera. "Dos 50 a 60 instrumentos que fabrico por ano, cerca de 17 são para o Brasil." O perfil de seus compradores varia bastante - vai desde estudantes de música, passa por músicos experientes e chega até a senhores idosos fascinados pela beleza dos instrumentos, ou seja, os colecionadores. O professor Ricardo Kanji, da Universidade Livre de Música, onde desde março do ano passado funciona um Núcleo de Música Antiga (do qual muitos dos jovens músicos entrevistados são integrantes, entre eles, Takiy), sente que o interesse pela música antiga tem crescido não só entre alunos de música, mas também entre o público em geral.

Kanji, que faz parte de uma geração à frente desses meninos, é um dos responsáveis pela inserção da formação profissional em música antiga no País, ao lado de diversos outros nomes, como a musicista de viola da gamba Kristina Augustin e a alaudista Silvana Scarinci. Movimento que começou, timidamente, no fim dos anos 50 com o audacioso maestro Roberto de Regina. Até bem pouco tempo atrás, coisa de 20 anos, eles não tinham outra opção a não ser estudar e se profissionalizar no exterior. "Agora, os interessados em música antiga no Brasil vão estudar fora depois de já terem recebido uma boa formação aqui. E tudo isso graças a um movimento que partiu das pessoas e não do governo", sentencia Kristina.

Livia Deodato
O Estado de S.Paulo

   
 
   
 

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