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A poesia do encontro

Rubem Alves e Elisa Lucinda ensinam o encantamento da poesia no livro "A Poesia do encontro", lançado na Bienal do Livro.


Assista ao vídeo:
Trecho de Elisa Lucinda e Rubens Alves em "A Poesia do encontro"

CONFIRA UM TRECHO DO LIVRO:

Rubem - Isso é interessante. A gente se apaixona por uma imagem, pela imagem construída – seja de uma coisa, seja de uma pessoa.

Acho que talvez a poesia descubra uma imagem. Estou me lembrando agora do livro A insustentável, de Milian Kundera, que conta a história de Tomás e Teresa. O Tomás gostava de todas as mulheres, mas não amava ninguém; mas houve um incidente e apareceu na cada dela a tal de Teresa. Ele não permitia jamais que uma amante dormisse na casa dele. Não queria amor, só sexo. Mas a Teresa chegou doente. Ele não pôde fazer orgia sexual com ela, mas teve uma imagem: ele a via doente, indefesa e febril. Era a imagem de uma criança que estava chegando a ele num cestinho de vime – uma imagem lá do Velho Testamento, do Moisés. Assim, ele se apaixonou por Teresa porque a identificou como a criança que estava no cesto do vime. Mas de onde veio essa imagem do cesto de vime nas águas? Não foi criada na hora; ela já estava dormindo dentro dele. E isso é muito verdadeiro numa experiência amorosa.

Fernando Pessoa escreveu a declaração de amor mais bonita e profunda que conheço:

Quanto te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei

Veja, é uma coisa esquisita, há aí uma sintaxe atrapalhada: “Quanto te vi, amei-te já muito antes”. O que ele está dizendo é “eu já amava você numa imagem que morava em mim, de modo que encontrar com você não foi encontrar com você, mas reencontrar com a coisa que eu já amava”. Essa é a experiência poética por excelência: repentinamente ela revela uma imagem que já existia em nós.


Isso também vale para a música. Por exemplo, nós nos comovemos com uma música. Uma boa explicação disso vem dos gregos, de Platão. Não nos sentimos tocados porque a música seja bela. O que faz com que ela tenha tal efeito sobre nós é que, na verdade, ela já existe dentro da pessoa. O que o artista faz é apenas tocar para que a Bela Adormecida que há dentro de nós ressoe.

Voltando à questão da imagem. A gente capta aquela imagem e, de alguma maneira, é um pedaço da alma da gente. É por isso que é uma experiência não de conhecer, mas de reconhecer. A pessoa não se encontrar, se reencontra, o que é uma das coisas fantásticas da poesia. Veja, por exemplo, o caso da propaganda. Os profissionais dos comerciais trabalham com imagens – justamente as imagens que moram nas pessoas. Eles relacionam determinada imagem ao produto e, assim, a pessoa compra o produto, não pelo que é, mas pela imagem que evoca no indivíduo.

Elisa – Para isso, colocam aquela mulher loira no carro...

Rubem – Aliás, já que você falou em carro, lembrei-me da propaganda de um carro, numa revista, que ocupava numa página inteira, com a seguinte imagem: um conversível vermelho num bosque. O que chamava a atenção é que o conversível estava com as duas portas abertas. Por quê? Porque a força não estava naquela obra de arte, mas no que ela fazia pensar. Se ela mostrasse só a porta do lado do motorista aberta, a pessoa poderia supor que o motorista saiu do carro por qualquer motivo banal. Mas se as duas portas aparecem abertas, onde estarão as pessoas? A força não está no que é dito. O mesmo acontece com a poesia: sua força não está no que é dito. O mesmo acontece com a poesia: sua força não está no que é dito. Fernando Pessoa tem um poema que diz assim (ele está se dirigindo a um poeta que, nesse caso, acho que é ele mesmo):

Cessa o teu canto!
Cessa, que, enquanto
O ouvi, enquanto
O ouvi, ouvia
Uma outra voz
Como que vindo
Nos interstícios
Do brando encanto
Com que teu canto
Vinha até nós.

Ouvi-te e ouvi-a
No mesmo tempo
E diferentes
Juntas cantar.
E a melodia
Que não havia
Se agora a lembro
Faz-me chorar

Quer dizer, a força do poema não está tanto em sua palavra, mas no espaço que ele abre para que haja uma outra palavra, ou seja, sua própria palavra que entra no poema. Então é como se o poema desse estruturação à sua própria fantasia de beleza.

Elisa – Própria do indivíduo ou do poema?

Rubem – As duas coisas. É minha e do outro também. Por exemplo, vou contar para você uma história que aconteceu comigo. Não costumo escutar música enquanto trabalho ou escrevo, porque, para mim, a música é muito forte e faz com que eu pare de pensar. Mas um dia antes de minhas atividades, coloquei um CD de César Franck, de quem gosto muito. Era uma sonata para violino e piano que eu ainda não tinha ouvido. Comecei a trabalhar. Dali a pouco, estava chorando. Mas chorando por quê? Filosofei: por que estou chorando? Porque é bonito. Mas o que é bonito? Retomando a idéia de que falei há pouco, tive de ir a gregos e consultar Platão para encontrar a resposta. Platão acreditava que, antes de nascermos, já vimos todas as coisas belas do mundo. Estão todas dentro de nós, mas nos esquecemos delas quando nascemos – entretanto, elas continuam lá, adormecidas, daí a história da Bela Adormecida. Todos têm, essas imagens. Os artistas, porém - e isto aqui é minha contribuição, não é de Platão -, são anjos que têm acesso a essas imagens, Quando os músicos e os poetas criam suas obras de arte, elas fazem reverberar dentro de nós aquela imagem adormecida; é nesse momento, então, que sentimos a beleza e choramos. Assim, quando ouço César Franck, não é ele; sou eu. Aquela melodia sou eu. Daí minha ligação com a imagem poética. Não sei se ficou claro.

Elisa – Penso que existe um tecido onírico um tecido de sonho que a poesia guarda pra mim. Aprendi com minha mestra uma lição inesquecível que sempre ensino a meus alunos: esqueçam esse negócio de ficar marcando as rimas. Não é preciso grifar que “corações” rima com “botão”! Isso é partitura, vai soar. Digo para que tratem de se preocupar com a historinha que eles vão contar. O que tem ali dentro?

Veja este pequeno poema de Manuel Bandeira, Irene no céu, que minha professora mostrou:

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E são Pedro bonachão:
-Entra Irene. Você não precisa pedir licença.


Esse era o poema. Desse tamanhinho. Então, a professora comentou: “Tem céu, tem são Pedro, tem eu – o narrador – e tem a Irene. Um poema de quatro linhas, com quarto personagens, com cenário”. Ela ensinou que ali havia uma historinha. Isso me animava, sempre gostei das palavras.

   
 
   
 

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