REFLEXÃO

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RADAR DO MUNDO
18/02/2008

Wikosovo

  Maximilien Calligaris
Especial para o Site GD

Há poucas horas, o Premier de Kosovo, Hashim Thaci, declarou a independência do país. Kosovo, que era uma província da Sérvia, é hoje o país mais recente do mundo e o último fragmento da antiga Iugoslávia a declarar sua independência. Numa sinfonia de cornetas, tambores e fogos de artifício, dezenas de milhares de pessoas de etnia albanesa se reuniram ontem de tarde em Prestina, a capital – o tempo gélido não impediu ninguém de dançar e cantar.

A ferida infligida pela Sérvia e sua década de perseguições e repressão (1989 – 1999) continua viva na mente de cada cidadão de etnia albanesa. Muitos perderam parentes sob o regime de terror do presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic. Embora o premier de Kosovo tenha declarado que todos os sérvios serão respeitados na nova democracia, a desconfiança entre as duas comunidades continua intensa. Kosovo será rapidamente reconhecido como um país autônomo pela ONU e por muitas nações ocidentais. Sérvia, Rússia, Espanha, entre outros, se opõem à independência de Kosovo receando movimentos secessionistas em seu próprio território.

Mas há um outro debate ocorrendo em paralelo. Poucos minutos depois do anúncio da independência de Kosovo pela CNN, a nova bandeira do país (a forma do país em amarelo sobre um fundo azul, com seis estrelas brancas que representam seis grupos étnicos) já estava na página sobre Kosovo da Wikipedia, a maior enciclopédia online, escrita e editada por seus próprios leitores. Um WikiProject Kosovo já existia antes, mas tinha sido apagado, reescrito e reapagado.

A Wikipedia está em plena atividade: a notícia implica uma quantidade de mudanças e, embora Andrew Keen (o autor de “The Culture of the Amateur”, grande crítico da Wikipedia) desprezaria a agitação dos “amadores” que contribuem anonimamente à enciclopédia, eles levam a coisa a sério. Com razão: com centenas de milhares de visitas a cada dia, Wikipedia é o terceiro site mais consultado na lista dos sites de informação, mais que a CNN ou a BBC, e deve ser colocado em dia mesmo que seja por amadores “que perpetuam o ciclo da desinformação e da ignorância” (Keen).

Consultando “Kosovo” na Wikipedia, hoje esbarra-se em dois comentários em destaque, escritos pela direção da Wikipedia. O primeiro coloca o leitor em guarda, pois o artigo “comenta um evento em curso, e sua informação pode mudar muito rapidamente enquanto o evento acontece”. O segundo é mais intrigante e vem acompanhado de um grande ponto de exclamação laranja. Ele afirma que a fidelidade aos fatos do que está na página está sendo discutida e sugere que se clique num link chamado “talk page” (página de conversa) para ter acesso à discussão. Assim que você clicar no link, aparece um pop-up que declara: “Esta é a página de conversa para discutir sobre melhorias para o artigo sobre Kosovo, e não é um fórum para uma discussão geral do tema do artigo”.

Seja como for, nessa página os editores amadores da Wikipedia discutem sobre quais informações devem se reeditadas (e como) nos artigos relacionados ao artigo Kosovo. As questões são diversas e aparentemente infindáveis: qual é o novo hino nacional de Kosovo? O que fazer com todos os mapas que mostram Kosovo como uma região da Sérvia? A declaração de independência de Kosovo é legal e a Wikipedia deveria reconhecer Kosovo como um país? Portanto, seria certo falar de Kosovo como um “Estado na Europa sul-oriental”? Ou então a independência é problemática, e seria melhor falar de uma “região” e não de um Estado? Os artigos relacionados com Kosovo deveriam continuar na esfera do WikiProject Sérvia ou deveria haver um WikiProject Kosovo, autônomo? Todos os artigos relacionados a Kosovo que estão no WikiProject Sérvia deveriam ser apagados ou transferidos?

O fato é que, embora a direção lembre a usuários e editores que a página não é um fórum político de discussão, idéias e posições políticas são implícitas nas respostas a todas essas questões.

Talvez os editores da Wikipedia sejam, como pensa Keen, um monte de amadores, mas seu trabalho destas horas revela uma verdade esquecida: num conflito político, a luta para redigir a versão “final” da história é crucial. E Wikipedia nos proporciona o espetáculo desta luta enquanto ela acontece.

   
Apresentação

O Radar do Mundo é produzido pelo projeto Idade Mídia do ensino médio do Colégio Bandeirantes, de São Paulo, desenvolvido pelos jornalistas Alexandre Sayad e Gilberto Dimenstein, que mistura o mundo da educação ao da comunicação (a chamada educomunicação). Em uma sociedade em que a informação está presente na vida dos jovens durante todo o tempo, a educação tem a necessidade de acompanhar essas novas demandas.

 
 
 

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