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inclusão urbana
22/11/2004
Arquiteto cria centro cultural em favela de SP

Ruy Ohtake anda pelas ruas de Heliópolis, a maior favela de São Paulo, como se fosse um homem duplo. O arquiteto famoso, criador de prédios polêmicos como o do hotel Unique em São Paulo, acena, dá autógrafos. O Ohtake militante entra no bar do Geraldo, pede uma pinga, toma os dois dedos de Villa Velha num gole e diz:
"Nenhuma biblioteca no Brasil começou assim".

A biblioteca a que ele se refere é a de Heliópolis, feita em duas casas da favela. O ineditismo é que os 1.000 primeiros livros do acervo não foram doados, como é regra, mas escolhidos por José Castilho Marques Neto, diretor da biblioteca Mário de Andrade e editor da Editora da Unesp.

A biblioteca, que deve ser inaugurada no próximo mês, é parte de um pacote de obras em Heliópolis impulsionado por Ohtake -a favela de 100 mil habitantes ganhará um cinema de 120 lugares, previsto para ser inaugurado em fevereiro, um centro cultural projetado por ele e uma galeria para exposições. Ohtake projetou a fachada do centro, que funcionará em um galpão -será a primeira obra de um arquiteto de renome numa favela paulistana e deve ficar pronta no final de 2005.

"Tudo aqui tem de ter dignidade. Não é porque é pobre que você vai fazer no olho. Não vamos fazer biblioteca com aqueles livros que as pessoas não querem mais", diz. Ohtake usou seu prestígio e obteve recursos do banco Pan-Americano para a biblioteca e da construtora Matec para o centro cultural. O banco montou uma microagência ao lado da biblioteca.

Inclusão arquitetônica
Ohtake, 66, está tomado por grandes projetos, como a igreja para 100 mil pessoas que desenhou para o padre Marcelo, mas virou um freqüentador de Heliópolis a pedido dos moradores.

Em dezembro de 2003, o líder comunitário João Miranda Neto leu uma reportagem na qual Ohtake dizia que a maior feiura de São Paulo era a diferença entre o Morumbi e a favela de Heliópolis. Ligou para o escritório do arquiteto e fez um pedido que desconcertou Ohtake: "O senhor não quer ajudar a deixar a favela menos feia?", como lembra Miranda Neto, presidente da Associação de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco).

Ohtake diz que topou porque ficou impressionado com a solidariedade dos moradores. "Todo mundo se conhece e se ajuda. O vizinho cuida da criança para a mãe trabalhar, cuida do doente. No meu prédio eu não sei quem é o cara do 4º andar", compara.

A idéia de Ohtake é que a exclusão social é acompanhada da exclusão territorial e arquitetônica. A favela, para ele, não pode mais ser considerada uma ocupação temporária que, por conta disso, é um amontoado de déficits. A infra-estrutura é atribuição do Estado, segundo ele, mas o resto deve ser uma tarefa de todos.

A primeira tarefa a que Ohtake se propôs foi ajudar os moradores a pintar 278 casas das ruas da Mina e Paraíba. Para que não o acusassem de autoritário, sugeriu que adolescentes pesquisassem, casa por casa, qual era a cor preferida do morador para a fachada.

Aí entrou a sua visão da cor na arquitetura -fez combinações geométricas em tons diferentes, sempre com cores vivas. Discorda dos que consideram que as duas ruas da favela ficaram parecidas com o colorido da Boca, o bairro multicolorido de Buenos Aires.

"Cor fraca é coisa de europeu. As cores brasileiras são fortes. É só ver as cidades brasileiras mais antigas. Parati e Olinda tem cores fortes." Miranda Neto não endossa a visão de que pintar casa é uma operação cosmética: "Casa pintada aumenta a auto-estima". O fato é que, após a pintura, não há mais casa grafitada em Heliópolis.

Ohtake conta que não foi por acaso que iniciou o projeto com uma operação para elevar o moral dos moradores. A principal preocupação dele é fortalecer a identidade cultural deles. Vem daí a ênfase na atividade cultural.

A receita do arquiteto é confrontar os adolescentes com a arte moderna e contemporânea. Eles já foram ver a exposição de Picasso na Oca, a de Nuno Ramos no Centro Cultural Banco do Brasil e a de Nelson Leirner numa galeria.

A força de São Paulo
A idéia de que cor fraca é "coisa de europeu" pode ser estendida aos prédios que projeta. O violeta do Instituto Tomie Ohtake, o verde e preto do Unique são tentativas de resgatar o uso que se fazia da cor há 150 anos, de acordo com Ohtake. Ele diz que não pretende renegar os seus primeiros trabalhos, nos quais dominava o cinza do concreto aparente; prefere ver a cor como "uma evolução".

As formas inusuais de seus prédios têm o propósito de romper a pasmaceira. Segundo ele, São Paulo não tem uma arquitetura que espelhe a força da cidade: "São Paulo é uma cidade esquisita: a arquitetura brasileira é muito forte, mas isso não aparece na cidade. Minha intenção é provocar as pessoas com surpresas. A arte e a arquitetura não podem parar".

A idéia mestra de Ohtake é a de que, sem beleza, a arquitetura não existe. Ele acredita fazer parte de uma linhagem de arquitetos que começa com o barroco, no século 18. "Busco a leveza de Aleijadinho. Nos profetas de Congonhas parece que as roupas dos profetas vão se levantar se bater uma brisa." Cita como exemplo de sua ligação com Aleijadinho (1730-1814) a fachada do Unique, o concreto que se dobra como pano.

Com Oscar Niemeyer, conta, aprendeu a desafiar a lei da gravidade, "o parece que vai cair, mas não cai do Unique". Diz venerar também Vilanova Artigas (1915-1985), de quem foi aluno na USP, principalmente pelas obras mais heterodoxas, como a casa que ele projetou para a demógrafa Elza Berquó. Nesse projeto, Artigas transformou as árvores que existiam no terreno em colunas.

É esse passado que ele evoca para dizer que sua obra tem raízes históricas: "A arquitetura que eu faço não é modismo".


MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

 
 
 

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