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02/07/2004 - 14h41

Comentário: Saddam vai para o banco dos réus

PETER PHILIPP
da Deutsche Welle, na Alemanha

Haia, 3 de julho de 2001: Um elegante Slobodan Milosevic comparece ao Tribunal Penal Internacional, declarando que o local é um "falso tribunal" e as acusações contra ele, "completamente errôneas".

Ele, Milosevic, afirma que é inocente e que não reconhece a legitimidade do tribunal. Três anos mais tarde, aeroporto de Bagdá: Saddam Hussein de terno, barba grisalha, em sua primeira aparição pública frente ao tribunal especial que irá julgá-lo.

Também Saddam revida a legitimidade da corte e do julgamento, anunciando ser o presidente do Iraque, embora ele hoje talvez mal conseguisse sobreviver como um comerciante qualquer de carros no país.

O criminoso real a ser julgado aqui seria George W. Bush, segundo Saddam, que se negou a assinar qualquer documento perante o tribunal.

Crimes de guerra

Duas cenas, que de uma forma ou de outra se assemelham, embora não tenham nada a ver uma com a outra. Trata-se de elaborar o trauma de uma ditadura e seu Estado totalitário, de apontar a responsabilidade pela opressão, guerra, assassinatos, homicídios individuais e genocídios. Até hoje, o mundo não dispõe de uma instância comum, capaz de julgar tais crimes monstruosos e seus mentores.

No Julgamento de Nurembergue, os Aliados sentaram-se frente aos adversários derrotados. Para julgar os crimes cometidos na ex-Iugoslávia, o Conselho de Segurança da ONU criou o Tribunal Penal Internacional, em Haia.

E em Bagdá, agora, foi instaurado um tribunal nacional --embora os réus tenham certamente cometido crimes internacionais nas guerras contra o Irã e o Kuait e em seus ataques à Arábia Saudita e Israel.

"Processo rápido"

Em outros casos --como o do ditador romeno Nicolau Ceaucescu-- foi conduzido um "processo rápido". Outros réus --como o ex-ditador da Uganda Idi Amin, que morreu no exílio saudita-- puderam deixar o país que governaram. No mundo árabe, até hoje, nenhum ditador derrubado teve que responder a processos perante a Justiça.

Saddam sabe melhor que ninguém disso, pois esteve ativamente envolvido no assassinato de alguns de seus antecessores.

Duvida-se, no entanto, que Saddam saiba estimar o quanto ele está sendo agora melhor tratado. Uma coisa, porém, ele certamente sabe: que o veredicto que lhe aguarda já está há muito definido. Para isso, o governo de transição instaurado pelos EUA pretende introduzir novamente a pena de morte no país. E também as vítimas que sobreviveram a Saddam clamam por sua morte.

É pouco provável que o tribunal vá poder ou querer ir contra essa decisão.

Atos monstruosos

É exatamente isso que deixa os observadores do processo com um gosto amargo na boca: a justiça, aqui, não poderá mesmo ser feita. Para isso, os atos cometidos por Saddam são demasiado monstruosos. E qualquer sistema jurídico conseguiria apenas às vezes punir adequadamente tais atos: o direito e a justiça são freqüentemente duas coisas completamente diferentes.

Direito? É de se duvidar que este seja respeitado, pois a Justiça iraquiana serviu durante anos a fio à injustiça. Seria espantoso se, de repente, um tribunal extraordinário, composto às pressas, passasse pelo teste de legitimidade jurídica.

Seria de bom tom esperar, nesse caso, até que um governo eleito assumisse o poder. O que, segundo as previsões, deve mesmo acontecer já no próximo ano.

Hoje a situação é composta por um tribunal especial de um governo de transição. Este governo tem, obviamente, grande interesse na condução do processo.

Saddam é apresentado como um mísero homem, desprovido de poder e talvez fanático e louco, atrás do qual ninguém mais vai querer correr atrás.

Os EUA serão poupados da desagradável tarefa de exercitar sua própria "justiça de vencedor". O governo de transição, por sua vez, pode contar pontos frente à comunidade internacional, se souber conduzir um processo limpo. Não se sabe é se o desenrolar deste processo poderá mesmo colocar um fim no longo e árido período da ditadura no país.

Caso semelhante ocorreu na África do Sul, onde foi possível discutir mais sobre os atos bárbaros de um regime totalitário e suas causas do que sobre os mentores dos crimes em si. Bagdá, no entanto, fica bem longe da África do Sul.
 

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