Folha Online sinapse  
17/12/2002 - 02h45

Para retribuir o privilégio

KIYOMORI MORI
free-lance para a Folha de S.Paulo

Responda depressa: o que é extensão universitária? Se a definição não estava na ponta da língua, não se preocupe. Nem mesmo no meio acadêmico, onde o conceito deveria ser cristalino, sabe-se ao certo o que isso vem a ser.

Caio Esteves/Folha Imagem
Alunos da Faculdade de Direito da USP atendem a população no Departamento Jurídico 11 de agosto

A resposta está na própria Constituição. Trata-se da forma pela qual a universidade interage com a comunidade, prestando serviços, ministrando cursos de curta duração ou oferecendo outros serviços.

Segundo a Carta de 88, as universidades devem obedecer ao "princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), uma das finalidades do ensino superior é "promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica gerada na instituição". Mas o que há por aí são projetos pouco visíveis, que atendem a apenas uma parcela dos "excluídos" e que só sobrevivem porque alunos e professores se dispõem a trabalhar sem remuneração.

"Todas as universidades, públicas ou particulares, devem oferecer serviços de extensão universitária à comunidade, sob pena de perder o status de universidade", afirma a diretora de política do ensino superior do Ministério da Educação, Aparecida Andrés.

Embora poucos saibam o que é extensão universitária, os projetos considerados "estrelas" são amplamente conhecidos, como hospitais universitários, museus, canais de rádio e televisão, projetos sociais (entre eles, muitos de alfabetização) e cursinhos pré-vestibulares espalhados pelo país.

A Universidade Solidária —organização sem fins lucrativos parceira do Programa Comunidade Solidária e que tem como uma das sócio-fundadoras a primeira-dama, Ruth Cardoso— é considerada o maior projeto de extensão universitária do Brasil, por reunir 18 mil alunos e 1.500 professores. O programa acontece em 191 universidades e mil municípios.

O mais antigo projeto de extensão universitária no país —o Departamento Jurídico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da USP— completou 83 anos e aprendeu, nesse período, a conviver com a falta de dinheiro. "Não dá para ficar parado, reclamando da falta de dinheiro, e obter o diploma no fim do curso —em uma universidade pública e gratuita— sem retornar nada à sociedade", afirma Carolina Haber, 22, diretora da instituição, que atende gratuitamente a cerca de 1.400 pessoas todos os meses.

Os alunos que trabalham na assessoria jurídica oferecida gratuitamente à população recebem, por mês, uma bolsa de cerca de R$ 100, que varia de acordo com o número de atendimentos. Atualmente, os custos mensais da instituição são de R$ 20 mil e são cobertos por convênios assinados com a Procuradoria de Assistência Judiciária, pela USP e pelo próprio centro acadêmico da faculdade, além de contar também com uma doação mensal de um escritório de advocacia. Na década de 70 era pior: os estagiários tiravam dinheiro do próprio bolso para manter o serviço. "Muitos alunos acabam escolhendo estagiar em escritórios particulares, em que recebem até R$ 600 por mês", explica Haber.

Outro projeto que sobrevive de doação e alunos voluntários é o Bandeira Científica, da Faculdade de Medicina da USP. Neste mês, 80 alunos e 20 professores da faculdade passarão 11 dias na cidade de Serra dos Aymorés, na região nordeste de Minas Gerais, a 6 km da divisa com a Bahia, prestando assistência médica gratuita à população.

"Ninguém recebe nada, mas o interesse dos alunos em participar do projeto não pára de crescer", afirma o patologista Carlos Corbett, coordenador do projeto. Na primeira edição, em 98, apenas 23 alunos se inscreveram. Neste ano, foram 121. "Tivemos de dispensar alguns alunos pela falta de verba", lamenta. Os alunos de medicina vão encarar mais de 20 horas de ônibus para atende a cerca de 4.000 pessoas na região.

Para driblar as dificuldades, a coordenadora do Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, Maria das Dores Nogueira, utilizou um artifício inovador e dentro da lei: uniu atividades de pesquisa e extensão. "Assim, podemos receber recursos federais da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), que normalmente não financia projetos de extensão, apenas pesquisa."

Os alunos e professores que participam do pólo puderam, com isso, desenvolver 32 projetos de extensão universitária nas áreas de saúde, educação, ambiente, geração de renda e cultura, que já atenderam a cerca de 300 mil pessoas em cinco anos de atividade. Outra saída da UFMG para atrair mais alunos foi transformar algumas das atividades de extensão em créditos curriculares.

Não há ainda nenhum levantamento ou estatística oficial do número total de projetos e programas de extensão e pessoas atendidas ou envolvidas em todo o país, mas as estimativas das universidades são de "milhões" de pessoas beneficiadas pelas "centenas" de projetos.

De acordo com Edison José Corrêa, presidente do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, todas as 84 universidades públicas do país oferecem algum tipo de programa de extensão universitária. Apesar disso, apenas 10% dos 1,2 milhão de estudantes dessas universidades participam de algum programa. "Poderíamos pelo menos triplicar o número de alunos participantes", explica, "desde que houvesse verba".

No caso das universidades particulares, a Anup (Associação das Universidades Particulares) garante que as 40 filiadas da entidade oferecem algum tipo de projeto de extensão universitária. "Ninguém pode imaginar um aluno de medicina ou de odontologia que não tenha estagiado em hospital ou clínica universitária", afirma Milton Linhares, vice-reitor da Universidade Bandeirante de São Paulo e assessor da diretoria da Anup, que também reclama da falta de "apoio oficial". "Falta verba mesmo: o dinheiro gasto é pago pelos próprios alunos, nas mensalidades."

A extensão universitária não conta com uma agência fomentadora da extensão, que poderia conceder bolsas aos alunos ou financiar os projetos, como acontece com as outras áreas. Capes, CNPq e Finep são órgãos do governo federal que existem e beneficiam as atividades de pesquisa (pós-graduação) e ensino. Além desses, a maioria dos Estados possui fundações próprias, como é o caso da Fapesp, em São Paulo. "Esses órgãos funcionam muito bem", destaca o pró-reitor de extensão universitária da Unesp, Benedito Barraviera. "O que queremos é que seja criada uma agência independente, nos mesmos moldes das outras agências, para que possamos financiar a extensão sem ter de retirar dinheiro da universidade ou depender de trabalho voluntário." Barraviera lidera os pró-reitores de extensão da USP, Unifesp, Unicamp e Ufscar no projeto de criação de uma agência estadual de fomento à extensão universitária. "Os professores e alunos acabam desperdiçando muito tempo atrás de patrocínio, financiamento e doações. Alguns acabam desistindo por causa disso."

A vontade de Barraviera e de seus colegas é compartilhada com os pró-reitores de extensão do país inteiro. A criação de uma agência federal de fomento à extensão universitária independente foi um dos principais motes do Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, que aconteceu no início de novembro em João Pessoa (PB) e reuniu 1.600 participantes de 107 universidades públicas e particulares, além de entidades governamentais e ONGs.

Leia mais:
- Exemplos diferenciados de extensão universitária

     

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).