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26/10/2004 - 03h06

Caminho das Pedras: A vida adulta das HQs

Waldomiro Vergueiro
especial para a Folha de S.Paulo

Surgidas como produto de massa no final do século 19, as histórias em quadrinhos marcaram o século 20 por suas cenas hilariantes, suas imagens multicoloridas, suas aventuras rocambolescas e seus heróis espalhafatosos. Fascinaram gerações, que as acompanharam pelos jornais, ultrapassaram os limites do mercado norte-americano e conquistaram o mundo, gerando indústrias autóctones, numa incontável variedade de títulos e gêneros.

Associated Press
Super-Homem desenhado com características do original, de 1938
Resistiram aos novos meios de comunicação, utilizando a indústria em seu benefício: viraram filmes, desenhos animados, programas de rádio, jogos de videogame, RPGs, romances, brinquedos etc. Aos poucos, deixaram o mundo do entretenimento e invadiram as escolas, driblando preconceitos de pais e educadores. Hoje, com a internet e os meios de comunicação eletrônica, tentam se adaptar a uma situação ainda indefinida. Conseguirão as HQs sobreviver?

A resposta está ligada a uma das razões do sucesso comercial dos quadrinhos -a comunicação pela imagem desenhada, aspecto presente na história do homem desde as pinturas rupestres. Com o aparecimento da escrita e o posterior advento da imprensa, a imagem desenhada tornou-se uma das formas mais difundidas de comunicação popular, em jornais, folhetos e painéis ilustrados. Virou uma panacéia ilustrada que tanto dava asas ao imaginário coletivo como expressava descontentamento com a estrutura social e política dominante.

Os quadrinhos tiveram seu berço na caricatura, na sátira política e na crítica de costumes, pela consagração de artistas do porte de Gustave Doré, William Hogarth e Ângelo Agostini, e beberam na fonte da literatura infantil ilustrada, na qual pontificaram Wilhelm Busch, Rudolph Töpfer e Georges Colomb (Christophe).

Estabelecidas como linguagem pela contribuição do humor gráfico e da ilustração infantil, as HQs foram transformadas pelos norte-americanos em produto de massa. Foram chamadas inicialmente de "funnies", depois de "comics" e, por fim, de "comic books". Essas últimas denominações ainda predominam em inglês, embora a temática humorística já não represente com exclusividade o meio.

As revistas popularizaram ainda mais as HQs, mas também as marcaram como linguagem para crianças. Nelas surgiram os super-heróis, verdadeiros mitos modernos, que disseminaram a ideologia americana. Após a Segunda Guerra Mundial, os quadrinhos incorporaram novos gêneros, numa constante escalada de popularidade. Mas, com os novos gêneros, veio a execração pública, com a acusação de perverterem de adolescentes e de conduzirem seus leitores à preguiça mental.

As campanhas difamatórias e o aparecimento de um pujante meio de comunicação de massa, a televisão, trouxeram aos quadrinhos momentos de dificuldade, superados por autores e editores em cinco décadas de luta. As lojas especializadas, que se multiplicaram no final dos anos 70, trouxeram alento para a área, mas não colaboraram para a renovação de leitores. Enquanto isso, as "graphic novels" buscaram um público adulto, tendência explorada por fanzines e revistas alternativas.

Os quadrinhos iniciam o século 21 em busca de amadurecimento, de legitimação como linguagem artística e de ampliação de seu público para camadas mais eruditas. Ao mesmo tempo, a comunicação eletrônica levou os quadrinhos a recorrer a uma linguagem híbrida, em que elementos tradicionais da linguagem gráfica seqüencial convivem com contribuições oriundas da informática, da animação e do cinema.

Waldomiro Vergueiro, 48, é professor da disciplina "Oficina de leitura crítica de HQs", da ECA-USP. Organizou "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula" (Contexto).

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