Folha Online sinapse  
26/10/2004 - 02h42

Verbete: O termômetro do mundo

Eduardo Geraque
especial para a Folha de S.Paulo

As temperaturas, tanto da Terra em geral como do Protocolo de Kyoto, estão subindo. O presidente russo, Vladimir Putin, voltou a esquentar a discussão no final de setembro, ao anunciar que, finalmente, vai ratificar o documento, que há anos espera para entrar em vigor. A Duma (Câmara Baixa do Parlamento da Rússia) confirmou a decisão na última sexta-feira, dia 22.

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O discutido Protocolo de Kyoto é um documento que surgiu em 1997, em uma reunião realizada na cidade japonesa de mesmo nome. Estavam presentes todas as partes envolvidas com a Convenção Sobre Mudanças Climáticas Globais, que havia surgido em 1992. O evento realizado no Japão, dentro do âmbito das Nações Unidas, foi o terceiro nos mesmos moldes. Em dezembro, entre os dias 6 e 17, será realizada em Buenos Aires, na Argentina, a décima reunião entre as partes.

A expectativa é que, após o encontro portenho, se possa enfim comemorar a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, desenhado com o objetivo de diminuir a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa. O temor geral é que, ao turbinar essa defesa da Terra, o homem aumente de forma perigosa a temperatura do planeta. O acordo ainda não virou lei sobretudo por causa dos EUA, da Austrália e da Rússia. Os dois primeiros continuam contra o acordo porque ele impede o desenvolvimento econômico. Os russos são os primeiros a mudar de idéia.

Com a assinatura russa, serão cumpridos os pré-requisitos para que o Protocolo de Kyoto possa entrar em vigor em um prazo de 90 dias, contados a partir da ratificação. Em 1997, acordou-se que o texto viraria lei no momento em que 55 países assinassem o documento _entre essas nações, deveriam estar as responsáveis por 55% das emissões totais de carbono na atmosfera global. O número mínimo de países já está ultrapassado. Agora, com a adesão da Rússia _que responde individualmente por 17,4% da poluição mundial_ a taxa chegará aos 61,6%.

A questão que deverá ser a tônica da reunião em dezembro é até que ponto o quadro inquietante que provocou a criação da Convenção sobre Mudanças Climáticas e do acordo em Kyoto vai ser alterado com a tardia entrada em vigor do protocolo.

Desde 1800, a temperatura sobre a superfície da Terra está 0,6 ºC mais alta. Até 2100, as estimativas mostram que ela estará de 1,4 ºC a 5,8 ºC mais elevada. Mesmo que prevaleça o número mais conservador, esse aumento do gradiente térmico terá sido maior em um século do que foi nos últimos 10 mil anos. Nenhum cientista duvida de que o processo de industrialização gigantesco que ocorreu principalmente no Hemisfério Norte a partir do século retrasado tem muito a ver com isso. Mesmo que seja um processo natural, como defendem alguns, a interferência humana nesse contexto tem acelerado em demasia esse ciclo eventual da natureza. A década de 1990 foi a mais quente do último milênio.

Ao ter peso de lei, o Protocolo de Kyoto determinará que os 36 países do anexo 1, os chamados industrializados, desenvolvam ações práticas contra a emissão dos seis gases (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluorcarbono, perfluorcarbono e hexafluoreto de enxofre) considerados os maiores contribuintes para o aumento do efeito estufa.

As metas estipuladas são individuais. Na média, se todos cumprirem o acordo, a redução deve ficar em 5,2%. Os números usados como base são os das emissões registradas em 1990. A dos EUA, entretanto, vai reduzir a média global _o país é responsável por 36,1% das emissões totais. Pelo Protocolo de Kyoto, teria de reduzir em 8% suas emissões. Outros países, como a Rússia, precisariam apenas manter as taxas atuais. Já a Austrália, por exemplo, poderia aumentar suas emissões em 8%. O período estipulado para a redução é de 2008 a 2012.

Apesar do ganho político, o protocolo pode não ter o efeito esperado dele na década passada. Cientistas afirmam que será muito difícil que os países consigam cumprir as metas até 2012. Como o aumento das emissões de carbono foi ainda maior neste início de milênio, as cifras já deveriam ter sido aumentadas. Além disso, pelo texto original, os países terão outras metas a cumprir: em 2005, deverão mostrar as ações efetivamente aplicadas para as reduções e, em 2007, ter prontos sistemas que meçam as emissões da forma mais fidedigna possível.

Mesmo que tudo corra bem até 2012, uma nova fase, que diz respeito ao Brasil, deverá se iniciar. A pressão que existe hoje contra os Estados Unidos e a Europa vai se estender aos países subdesenvolvidos, como também é o caso da China. No caso brasileiro, fatos como o desmatamento da Amazônia terão de ser, enfim, atacados.

O texto de Kyoto também prevê a transação de créditos de carbono entre os países _nações que poluem mais podem investir em projetos em lugares que evitem o aumento das emissões e, com isso, conquistar bônus_, mas faz ressalvas a esse processo. Só pode participar quem aderir ao protocolo. Mecanismos de desenvolvimento limpo devem ser um complemento, e não a estratégia principal da redução das emissões. Como se vê, o termômetro ainda tem muito que esquentar.

Eduardo Geraque, 32, jornalista e biólogo, é editor da Agência de Notícias da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina, da USP, em jornalismo e ambiente.

     

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