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25/03/2003 - 03h30

Postura de aprendiz

GIULIANA BASTOS
do Guia da Folha

Não são apenas os gestos delicados e o corpo esbelto que estão levando à Rússia a bailarina gaúcha Raquel Steglich. Selecionada entre muitos outros talentos para estagiar durante um ano no balé Bolshoi, Raquel, 19, embarca para Moscou neste mês para aperfeiçoar sua técnica. Ela é a primeira brasileira a compor o bicentenário grupo e deve parte de seu sucesso à filial da escola do Teatro Bolshoi em Joinville (SC).

Fotos Divulgação
A bailarina Raquel Steglich, 19, na escola
Após três anos na Bolshoi brasileira, Raquel, que dança desde os quatro anos e trancou a faculdade de medicina para investir em seu sonho de ser bailarina profissional, aprendeu as qualidades valorizadas pelos russos: a disciplina, a perfeição dos movimentos e, especialmente, o desejo de se aperfeiçoar sempre. "Aprendi a ter coragem, a ser caradura. Quando é algo difícil, eu penso assim: 'Se eles aprenderam, por que eu não vou aprender?'", afirma a bailarina.

Como Raquel, cerca de 300 outras crianças da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil almejam o estrelato em palcos internacionais. Passam pela mesma rotina de seguir uma alimentação especial, ter aulas de arte, maquiagem e outras disciplinas e dançar por quatro horas observando o método rigoroso do balé mais tradicional do mundo.

A filial brasileira da escola russa foi instalada em Joinville (SC) há três anos. A cidade, conhecida por seu festival anual de dança, é a única que tem um braço estrangeiro da renomada escola de balé e concorreu com Nova York, Tóquio e outras grandes metrópoles. O Bolshoi, com 227 anos de existência, preferiu instalar-se onde a paixão pela dança fosse um dos motores locais.

Alunas durante aula na Bolshoi brasileira
Em um prédio de cinco andares, no centro de Joinville, os alunos —meninos e meninas com idade entre 9 e 23 anos— ensaiam incansavelmente. Nas salas, espaçosas e espelhadas, há sempre um piano —as aulas são sempre embaladas com música ao vivo— e piso especial, para que o impacto da dança não prejudique os joelhos em formação.

Todos os alunos recebem da escola os uniformes, partituras e outros materiais utilizados nas aulas. Entre os cursos oferecidos pela Bolshoi, além do balé clássico, estão dança folclórica, preparação e prática cênica, danças populares históricas, dramatização, maquiagem e literatura musical e estrangeira.

A escola, visitada neste mês pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, dá bolsa integral a mais de 80% dos alunos, como parte do objetivo social da escola —na Rússia, todas as vagas são gratuitas.

O processo de seleção de alunos também demonstra o rigor do método. No ano passado, 1.200 crianças vindas da rede pública de ensino de Santa Catarina foram escolhidas para fazer o exame classificatório para as 80 vagas da escola —que correspondem à quantidade de bolsas disponíveis. Além dessas, há crianças e jovens vindos de outros Estados e até de outros países, como Uruguai e Argentina, para participar dos exames para as vagas pagas.

No exame final, os alunos têm de passar por uma avaliação médica e fisioterápica, artística e musical. Segundo Jô Braskas, diretora e uma das criadoras da escola de Joinville, "não é necessário que já tenham experiência em balé, mas sim potencial artístico".

No final do ano, dez dias são dedicados para as avaliações finais. Uma comitiva de professores da matriz vem de Moscou e avalia detalhadamente os erros e os acertos de cada aluno e de cada professor. Além disso, anualmente também, um grupo de professores e alunos da filial brasileira é selecionado para fazer um intercâmbio e assistir a aulas e apresentações do balé na Rússia.

"Sempre temos de tentar fazer melhor e melhor. Eu só fico um pouco cansada, às vezes. Mas, se eu quero uma coisa bem-feita, se eu gosto, eu tenho de fazer bastante", conta Juliana Teixeira, 10. "Os professores são bem legais. Eles cobram, mas é para o nosso bem, porque quanto mais eles cobram, mais a gente faz certo", diz Jéssica Finsterbusch, 11, cujo pai é torneiro mecânico e a mãe, empregada doméstica.

Jô Braskas concorda com os alunos e conta o principal ensinamento dos russos para a sua vida: "Sempre temos de aprender mais e mais". Não só os alunos mas também os professores estão em processo de aprendizagem constante. Semanalmente, os profissionais passam por laboratórios com os professores russos —o corpo docente da escola é dividido entre brasileiros, russos e ucranianos.

A seriedade do balé russo ensinou muito a Raquel Steglich. "O que aprendi de mais importante aqui foi aproveitar tudo o que puder do momento que estou vivendo. Por exemplo: se estou numa aula, tenho de esquecer meus problemas e tudo o que está fora e aprender o máximo que puder do que o professor está me ensinando". Essa lição levará Raquel à Rússia.

Mais informações:
A escola abre inscrições para as vagas pagas em meados de junho. A taxa de inscrição custa R$ 70 e a mensalidade, R$ 350. Site: www.escolabolshoi.com.br. Tel.: 0/xx/47/422-4070.

     

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