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25/03/2003 - 02h48

Caminho das Pedras: Retrato do artista quando gênio

AGNALDO FARIAS
especial para a Folha de S.Paulo

Reprodução
"Retrato do Artista sem Barba"
Em 29 de julho de 1890, aos 37 anos, num campo de trigo situado nas imediações de Auvers- sur-Oise, na França, Vincent van Gogh matou-se com um tiro no peito. Podemos imaginar seu corpo estendido sobre o mesmo amarelo intenso com que ele representava os trigais. Em um de seus bolsos, foi encontrada uma carta inacabada dirigida ao seu irmão Theo, a quem amava profundamente. A história de Van Gogh é indissociável de seu irmão e dessas cartas. Elas são seu testamento estético, a confissão de tudo aquilo que cultuava, a crença absoluta de seu destino de artista e a narração de sua determinação em traçar esse destino. Como escreveu ao irmão em 1888, "Eu só tenho a escolha entre ser um bom ou um mau pintor. Escolhi o primeiro".

Transitando sobre a linha tênue que separa a loucura da genialidade, trilhou um caminho solitário, longe das academias de arte, trabalhando com tamanho afinco e padecimento físico e mental que chegou a prever sua morte prematura. Sua monumental contribuição à arte é coisa que se resume aos seus últimos dez anos de vida. Antes disso, nada, salvo alguns desenhos de menor importância. Um caso incompreensível e que seus contemporâneos retribuíram com a mais genuína incompreensão.

Hoje, quando se fala nos impressionistas, coloca-se Van Gogh entre eles. Não é bem assim. Olhando bem, a desenvoltura daqueles parisienses não combinava com aquele holandês, nascido em Groot-Zundert (há 150 anos, no dia 30 de março), de aspecto rude e temperamento explosivo. Deles herdou a luz e as cores, o que não é pouco, mas, em vez de suas atmosferas suaves e evanescentes, preferiu incendiá-las com a emoção de sua paleta e a paixão de seus gestos. No lugar dos temas urbanos e das paisagens amenas povoadas de mulheres e homens elegantes, ancorou sua poética no chão, em objetos e pessoas comuns —um girassol, uma cadeira, um grupo de pessoas comendo batata— que ele, e somente ele, sabia sublimes.

Agnaldo Farias, 47, é professor de história da arte do curso de arquitetura e urbanismo da USP de São Carlos. É autor de "Arte Brasileira Hoje" (Publifolha, 2002).

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