Folha Online sinapse  
29/04/2003 - 03h18

Perfil: Um inovador a serviço do inventor

CYNARA MENEZES
free-lance para a Folha de S.Paulo

Não é que Guilherme Ary Plonski, 55, tenha deixado de embarcar, quando jovem, nas aventuras de Jules Verne ou de Isaac Asimov. A ficção científica, no entanto, está confinada à memória de um tempo remoto. Antena mais poderosa de um instituto associado a projetos futuristas —o IPT—, Plonski não tem tempo para engenhocas. Não se veja, porém, limite onde só há ambição. "Eu só invento modelos de gestão", diz o diretor-superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, de São Paulo. Sem esses modelos, argumenta, seria impraticável transformar invenção em inovação. "Inventar é apenas uma parte pequena do inovar", afirma Plonski, diante de um pôster do criador da teoria da relatividade, Albert Einstein (1879-1955), que domina seu escritório, na USP (Universidade de São Paulo).

Caio Esteves/Folha Imagem
Plonski na entrada do túnel de vendo do IPT, em São Paulo

É a inovação, diz ele, e não a invenção, a chave do sucesso das incubadoras de empresas de bases tecnológicas. Ao inovar, as instituições permitem ao inventor levar adiante seu projeto, estudar a viabilidade do produto e fazer a ligação com o mercado. "As incubadoras evitam professores Pardais frustrados", afirma.

Segundo Plonski, dos 22 projetos que ele e representantes da USP, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) levaram em fevereiro ao First Brazilian Tech Day, no National Institute of Standards and Technology, em Washington, 6 vieram de incubadoras. Inclusive um dos mais badalados, da lavra do Instituto de Computação da Unicamp: um avançado processo de reconhecimento de impressões digitais que, utilizando a mesma linguagem da internet, permite instalar verificadores de identidade nos computadores de qualquer empresa.

Raio-X

Nome: Guilherme Ary Plonski
Nascimento: 17 de abril de 1948
Estado civil: casado
Profissão: diretor-superintendente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas)
Formação: engenheiro químico e licenciado em matemática; mestre e doutor em engenharia de produção pela USP; pós-doutorado no Center of Science and Technology Policy, do Rensselaer Polytechnic Institute, Nova York, EUA, onde foi pesquisador da Fundação Fullbright
Livro que está lendo: "Cultures of the Jews", de David Biale (Pantheon Books)
Hobby: ouvir música clássica e ler
Inspiradores: o ex-reitor da USP Jacques Marcovitch e Josef Dawid Sztulman, seu professor na adolescência
Frase: "A imaginação é mais importante do que o conhecimento" (Einstein)


Filho de judeus alemães que migraram para o Brasil nos anos 30, o paulistano Ary Plonski, como é chamado pelos colegas, foi levado para a engenharia química pelo irmão, Jakob, dez anos mais velho. Ainda criança, Plonski gostava de fuçar os livros de química do irmão e se mostrava encantado com as narrativas de Jakob sobre suas experiências no laboratório de ciência e tecnologia da Politécnica da USP —principalmente as tentativas de destilar cachaça utilizando as pipetas e tubos de ensaio nesse cantinho discreto da universidade.

Mais tarde, já cursando o terceiro ano de engenharia química, se encantaria novamente com outra visão científica heterodoxa: as polêmicas aulas de filosofia da ciência do tcheco Vilém Flusser (1920-1991), que viveu no Brasil durante mais de 30 anos. "Metade dos alunos saía depois da chamada, metade ficava e era fissurada, como eu", conta Plonski, que acabaria se tornando "paneleiro" da disciplina. "Paneleiro" era o encarregado de gravar as aulas, transcrevê-las e copiá-las para o resto da classe.

"Flusser me fascinava porque suas aulas permitiam enxergar a produção do conhecimento científico nas suas diversas fases históricas sob uma ótica diferente", lembra Plonski. "Era como se você tivesse morado toda a vida na mesma casa e, de repente, tivesse a oportunidade de vê-la de cima, de um helicóptero, enxergando aspectos que nunca tinha visto antes", compara. Inspirado no mestre, ajudou a criar no curso de engenharia de produção a disciplina tecnologia e sociedade, base de sua própria filosofia no IPT: alinhar a pesquisa às demandas da comunidade.

Tal concepção seria uma das justificativas para o fato de o instituto, sendo empresa pública, precisar de subsídios governamentais para se manter. Hoje, o orçamento do IPT é composto de 55% de recursos próprios, oriundos de contratos com empresas privadas ou com a administração pública, e 45% de transferência de recursos dos cofres do tesouro estadual. Plonski explica que isso acontece porque, em troca da prestação de serviços aos órgãos de fiscalização, como os Ministérios Públicos Federal e Estadual, o instituto só recebe uma carta de agradecimentos, apesar de o trabalho custar dinheiro.

Ele conta, para dar uma idéia, sobre a verificação das obras no "prédio do Lalau" —o Fórum Trabalhista do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de São Paulo, cuja construção teria sido alvo de desvio de recursos pelo juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto. Os técnicos do instituto foram examinar o edifício para ver o que, afinal, tinha sido e o que não tinha sido feito em termos de obra construída até o surgimento da denúncia.

"O IPT tem fé pública e, por isso, uma boa parte do nosso tempo é dedicada a esse tipo de trabalho, que fazemos com todo senso público e que é da maior relevância, mas que demanda meses de dedicação sem nenhum retorno financeiro", diz. As áreas de atuação do instituto são as mais diversas: meteorologia, tecnologia da construção, energia, transportes, produtos florestais. Pode haver tecnologia em qualquer lugar. "Tecnologia é qualquer conhecimento organizado que é útil para a produção de bens e serviços. Uma pequena empresa que fabrica doces caseiros também tem a sua tecnologia: a conservação, o ponto certo do doce."

Mas é certo que o instituto se destaca pela tecnologia de ponta. O IPT possui um dos poucos túneis de vento do mundo. Com 40 metros de comprimento e um ventilador capaz de produzir, em seu interior, correntes de ar que chegam à velocidade de 90 km/h, o túnel tem uma aplicação bem diferente do futurismo que possa sugerir. É verdade que serve para provas sofisticadas, como avaliar o comportamento do motor dos automóveis diante de uma situação climática desfavorável, mas, atualmente, está sendo utilizado para testar o efeito dos ventos sobre a cobertura das lojas ao redor da catedral de Aparecida (SP).

Antes de ir para o IPT, Plonski chefiou durante sete anos a Cecae (Coordenação Executiva de Cooperação Universitária e Atividades Especiais) da USP, na qual começou a exercitar seu modelo de gestão favorito: dinamizar a relação da universidade com o setor empresarial e com a comunidade. Ele, aliás, só acredita no futuro da tecnologia "made in Brazil" com base nessas parcerias. De um lado, o aporte financeiro que a empresa privada pode dar para a pesquisa; de outro, a demanda da sociedade por um determinado produto.

Quando se formou na universidade e se tornou consultor de empresas de engenharia, um de seus primeiros trabalhos foi fazer um estudo de viabilidade para uma nova fábrica química no Espírito Santo. Desde então, os polímeros passaram a lhe interessar cada vez menos, e a gestão da inovação tecnológica, cada vez mais. Não à toa, Plonski dá aulas na USP tanto no Departamento de Engenharia de Produção da Politécnica como no Departamento de Administração da Faculdade de Economia.

Nas horas que passa em seu escritório, sintoniza o aparelho de som que tem atrás de sua mesa na rádio Cultura, para despachar ouvindo música clássica: Brahms, Beethoven, Chopin, Haydn. Os momentos de lazer não incluem nenhuma atividade esportiva —"nem xadrez". Aos domingos, é sagrado o almoço com o irmão Jakob.

Sobre o judaísmo, ele se diz "razoavelmente observante". O que vem a ser isso? "Observo algumas das festividades judaicas", ele explica. "Em minha casa, comemos alimentos kosher (preparados de acordo com os preceitos da religião judaica), mas, por outro lado, eu como frequentemente fora de casa, embora evite uma série de alimentos."

Acaba de ver "O Pianista", de Roman Polanski, a história de um sobrevivente do Holocausto. Ao contrário do personagem, seus pais fugiram da Alemanha com o nazismo. O assunto o toca profundamente, mas ele não deixa de lançar um olhar profissional sobre o filme. "Toda a logística do transporte feito pelos nazistas é feita para a destruição. Ou seja, há tecnologia naquilo."

Esse raciocínio, por sua vez, leva ao preceito que pode guiar, na opinião dele, a estratégia brasileira para se inserir definitivamente no mercado tecnológico mundial, e que pode ser resumido em uma frase: tecnologia não é só de ponta. "O Brasil precisa superar a inibição de que não somos capazes, de pensar que, como aqui não temos astronautas, é porque somos fracos tecnologicamente. Temos de disseminar, adaptar e, sobretudo, desmistificar a tecnologia", diz.

     

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).