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27/05/2003 - 03h02

Dez notas para ouvir jazz

CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

AP
Miles Davis
Como jazz só se aprende mesmo ouvindo, a primeira "pedra" é uma relaçãozinha de alguns marcos do gênero Como qualquer lista, esta não passa de um "My Favourite Things" (título, aliás, de ótimo disco de John Coltrane; para ouvir um trecho de "Mr P.C.", desse álbum, clique aqui). "O" disco por excelência, aquele que se poderia apresentar se a senhora da anedota do Fats Waller/Louis Armstrong tivesse perguntado o que é jazz, é "Kind of Blue", de Miles Davis (para ouvir um trecho de "All Blues", desse álbum, clique aqui). Um dos principais expoentes do chamado "jazz modal" (cuja explicação pediria ao menos outra "pedra", que seria uma "pedra no caminho"), o trabalho de 1959 seduz do maior especialista (no ano passado, foi lançado um livro nos EUA só sobre essas gravações) ao ouvinte mais verde. A seguir, uma lista de dez companheiros não-dá-para-não-ter desse disco:

  • "Something Else" (1958)

  • Cannonball Adderley (para ouvir um trecho de "Bangoon", desse álbum, clique aqui)
  • "A Love Supreme" (1964)

  • John Coltrane (para ouvir um trecho de "Resolution", desse álbum, clique aqui)
  • "Ellington at Newport" (1956)

  • Duke Ellington
  • "Ella in Rome" (1958)

  • Ella Fitzgerald
  • "Maiden Voyage" (1965)

  • Herbie Hancock (para ouvir um trecho de "Dolphin Dance", desse álbum, clique aqui)
  • "The Köln Concert" (1975)

  • Keith Jarrett (para ouvir um trecho de "Part II C", desse álbum, clique aqui)
  • "Pithecanthropus Erectus" (1956)

  • Charlie Mingus (para ouvir um trecho de "Pithecanthropus Erectus", clique aqui)
  • "Brilliant Corners" (1956)

  • Thelonious Monk (para ouvir um trecho de "Brilliant Corners", clique aqui)
  • "Bird and Diz" (1950)

  • Charlie Parker e Dizzy Gillespie (para ouvir um trecho de "My Melancholy Baby", desse álbum, clique aqui)
  • "Coleman Hawkins & Lester Young" (1946)

  • Coleman Hawkins e Lester Young (para ouvir um trecho de "Crazy Rhythm", desse álbum, clique aqui)

    Outros indispensáveis, como "Saxophone Colossus" (1956), de Sonny Rollins, estão tendo dessas raras edições no Brasil, em um ótimo pacote da BMG. Para achar discos dessa estirpe, duas sugestões: Livraria Cultura (tel. 0/xx/11/3024-3599), em São Paulo, e Modern Sound (tel. 0/xx/21/2548-5005), no Rio.

    AP
    Ken Burns
    OK, você prefere que alguém explique mesmo, alguém que conte a história do jazz. Seu homem é Ken Burns. Historiador e documentarista, lançou em 2001 uma série de programas para TV com uma elaborada história do gênero. A qualidade do trabalho, com muitas entrevistas e imagens de arquivo, foi ovacionada, ainda que vários críticos tenham reclamado de seu "classicismo". "Jazz - Um Filme de Ken Burns", disponível em DVD no Brasil pela Som Livre, realmente dá pouco espaço para os músicos mais vanguardistas.






    Um "primeiros passos" interessante para o jazz, ainda que igualmente "clássico", é o livro inaugural sobre o gênero no Brasil: "Jazz Panorama", de Jorge Guinle. Escrito em 1953 e relançado no ano passado pela editora José Olympio, vai bem no bê-á-bá (não além dele) e tem interessantes relatos dessa testemunha do surgimento de movimentos como o bebop. Outro voluminho prestativo, entre a rala bibliografia jazzística brasileira, é "Guia de Jazz em CD" (Jorge Zahar), de Luiz Orlando Carneiro e José Domingos Raffaelli, boa listagem de discos essenciais. Para um nível já um pouco mais avançado, vale a visita a "New Jazz - De Volta para o Futuro" (Editora 34), de Roberto Muggiati, um passeio pelo reino dos "young lions", como foram batizados músicos como Wynton Marsalis, que, nos anos 80, resolveram recuperar o jazz mais tradicional.

    Um "relax" antes de seguir adiante, que este caminho das pedras começa a ter pedras lascadas. Vá até a locadora e alugue "Por Volta da Meia-Noite" (1986), de Bertrand Tavernier. Estrelado por um dos grandes saxofonistas da história do jazz, Dexter Gordon —que foi tão bem que foi indicado ao Oscar—, o filme conta a história de um músico americano em Paris no final dos anos 50. O roteiro é inspirado nas vidas dos astros jazzísticos Lester Young e Bud Powell. A trilha sonora, é claro, sensacional. Outro "fundo musical" inesquecível é o de "Ascensor ao Cadafalso" (1958), de Louis Malle, composta por Miles Davis.

    Fotos Reprodução
    Ainda nesse período de "recreio", aproveite para folhear o livro "Jazz Seen" (editora Taschen). Volumes de fotos de jazz existem às pencas no mercado americano —aqui, "niente"—, mas esse, do grande retratista do gênero, William Claxton, é o definitivo (por enquanto). Mas não é dele o retrato mais célebre do jazz. O título talvez esteja com Art Kane , que clicou, em 1958, em uma rua qualquer do Harlem, em Nova York, 57 grandes músicos da época, de Count Basie e Dizzy Gillespie a Horace Silver e Gerry Mulligan. O site www.harlem.org tem todos os detalhes dessa imagem, conhecida como "A Great Day in Harlem".



    Bem, já que chegamos à internet, que tal uma volta pela página mais completa sobre o jazz na rede? "All About Jazz" (www.allaboutjazz.com) é o nome do endereço, que tem entrevistas, resenhas, debates, reportagens etc. É em inglês, "sorry". Entre os sites tupiniquins, um destaque é o E-jazz (www.ejazz.com.br).

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    Essas páginas de internet podem ser complementadas pelas duas grandes revistas sobre o gênero (havia prometido a mim mesmo que não chamaria elas de "bíblias do jazz", consegui). Com 68 anos, a "Down Beat" ainda é a mais respeitada na área. Mas é um pouco "senhora" diante da "Jazz Times", publicação bem mais dinâmica. Americanos, os dois periódicos, mensais, podem ser encontrados com facilidade nas grandes bancas do Brasil. Difícil é encarar seus preços, acima dos R$ 30. Em julho, elas devem começar a dividir espaço com a "Jazz+", que será lançada no até então vácuo mercado de revistas jazzísticas brasileiras.



    Se R$ 30 lhe parecer pouco e dinheiro não for problema, faça como os muçulmanos e prometa a si mesmo ao menos uma viagem a Meca durante sua vida. A Meca do jazz, claro, é Nova York. Foi lá que a coisa tomou corpo e é lá que ainda vivem 60% do jazz mundial. O Village Vanguard, na cidade do Empire States, clube no bairro Village, é o melhor lugar do planeta para ouvir jazz. Os mais turísticos Blue Note e Birdland, mas igualmente com boas atrações, também devem estar na rota.

    Fotos Reprodução
    Este caminho das pedras começa agora a sair de um nível "swing", estilo dos anos 20 aos 40, de fácil assimilação, para algo mais "free jazz", gênero do início dos anos 60 criado por Ornette Coleman , sinônimo de "encrenca" musical. Estamos no campo dos grandes estudos jazzísticos. Entre os livros mais recentes, vale a pena gastar as pestanas com "Jazz Modernism" (Knopf), de Alfred Appel Jr., do final do ano passado. Nele, o "scholar" americano compara o jazz às grandes manifestações modernas na literatura e nas artes plásticas e mapeia as trocas culturais entre artistas como Duke Ellington (o compositor clássico da história do jazz) e o pintor francês Henri Matisse.



    Você já está escolado no jazz. Agora, pode acompanhar com mais gosto, sem sair do país, alguns de seus expoentes. Começa já na quarta-feira, em São Paulo e no Rio, o Chivas Jazz Festival, que já se transformou no grande evento jazzístico brasileiro. Entre as atrações, está um dos grandes instrumentistas do país, Dom Salvador, além de atrações internacionais que vão desde o lendário Lee Konitz, 75, saxofonista que participou da criação do genero "cool", ao lado de Miles Davis, até o novato Jason Moran. Aos 28 anos, esse pianista vem renovando a linguagem do jazz, atualizando a mistura desse gênero musical com a música eletrônica. Ao lado do também pianista Brad Mehldau, um ano mais velho, é uma das provas que podem ser apresentadas pelos que acham que o jazz não morreu.

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