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27/05/2003 - 03h10

O professor sumiu!

PAULO DE CAMARGO
free-lance para a Folha de S.Paulo

A exemplo do que aconteceu no setor de energia elétrica, o país está se arriscando a viver um não menos traumático apagão em uma área vital para o futuro brasileiro: a educação.

Pedro Azevedo/Folha Imagem
O biólogo Humberto Luís Tommaro, que dá aula de ciências

Um estudo realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais) projeta a falta de aproximadamente 250 mil professores da quinta à oitava série do ensino fundamental e de todo o ensino médio no Brasil —uma realidade que só tende a se agravar, com o crescente aumento de matrículas nessas etapas escolares.

De acordo com os dados do Inep, para atender ao número de alunos hoje existentes na rede pública —que corresponde a 90% do número total de matrículas—, são necessários 235 mil professores no ensino médio e 476 mil nas turmas da quinta à oitava série. Nos últimos 12 anos, no entanto, formaram-se em cursos de licenciatura 457 mil professores.

O problema atinge mais intensamente as áreas de ciências e matemática, mas também já é preocupante na de geografia, por exemplo. Em física, conforme o Inep, o número de alunos indica que deveria haver 23,5 mil professores apenas para as classes do ensino médio. Nos últimos 12 anos, formaram-se apenas 7.200 professores na área.

"As projeções não são completamente precisas, pois faltam informações atualizadas e completas nessa área", ressalva José Marcelino de Rezende, diretor de tratamento e disseminação de informações do Inep. Para ter subsídios concretos para enfrentar o problema, que pode ser mais grave, o Inep está anunciando para este ano a realização de um Censo do Professor ainda mais detalhado que o anterior, de 1997.

Para chegar à projeção atual, os pesquisadores levaram em conta condições ideais de trabalho, ou seja, sem sobrecarga de horários, e consideraram os profissionais formados nos últimos 12 anos. Partiram, também, da premissa de que todos os estudantes formados efetivamente seguiram carreira docente, o que cada vez menos é verdade.

"Há duas explicações principais para a falta de professores", afirma Rose Neubauer, do Conselho Nacional da Educação. Em primeiro lugar, há o explosivo crescimento do ensino médio. Apenas em São Paulo, as matrículas saltaram de 545,3 mil, em 1985, para 1,7 milhão, em 2002. Em segundo lugar, outros mercados de trabalho vêm atraindo os formados. A difusão tecnológica e a sofisticação do mercado financeiro vêm recrutando, com maiores salários e melhores perspectivas de carreira, por exemplo, os estudantes recém-saídos dos cursos de graduação nas áreas de ciências e matemática.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Elaine Aparecida de Jesus: "Eu gostava muito de dar aula, mas o salário não compensa"
Foi o que tirou das salas de aula a consultora da IBM Elaine Aparecida de Jesus, 42. Elaine se formou técnica em química, graduou-se e fez pós-graduação em matemática. Começou dando aulas, mas trocou a escola pela empresa assim que recebeu uma proposta de trabalho. "Eu gostava muito de dar aula, e essa era minha opção, mas o salário não compensa, e acabamos desistindo", conta. "Não me lembro de nenhum colega de faculdade que ainda hoje dê aulas. Não encontramos as portas abertas para isso", diz.

O problema chegou a tal ponto que, em 1999, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo realizou um concurso de professores para o qual havia, na área de física, mais vagas do que candidatos. Na área de matemática, o número de aprovados foi insuficiente para as vagas existentes.

De lá para cá, segundo a coordenadora Sonia Maria Silva, da Cenp (Coordenadoria de Normas Pedagógicas da Secretaria), o problema vem sendo solucionado com a realização de novos concursos. Hoje, em São Paulo, há 2.300 professores sem licenciatura dando aulas na rede pública na área de ciências, o que representa cerca de 3,7% do total. Em química, no entanto, quase 10% dos 5.700 professores são profissionais de nível superior sem formação pedagógica ou estudantes que ainda não terminaram a graduação.

Foi assim que o professor Cleber Faustino dos Santos, 24, começou a trabalhar na rede pública. "Tão logo passei no vestibular de matemática, comecei a dar aulas", conta. Sua formação o habilitou para ensinar matemática e física. Hoje, aguarda o próximo concurso público, enquanto trabalha em três escolas da rede estadual.

Formado na Fundação Santo André, Santos viu metade de seus amigos dedicarem-se a outras atividades, mas ele ainda não pensa em mudar de idéia. Idealista, desenvolve vários projetos. "Meu objetivo é trabalhar com a formação de professores, e não posso perder de vista a sala de aula", explica.

A pouca oferta de professores, especialmente nas ciências, atinge muitos países e, embora seja mais sentido na rede pública, afeta também o ensino privado. De acordo com o secretário de Educação Média e Tecnológica, Antônio Ibañez Ruiz, o Reino Unido chega a importar professores da Austrália e da Nova Zelândia. Nos Estados Unidos, em 2000, o Senado aprovou uma proposta para incentivar o retorno de professores aposentados na área de física para as salas de aula.

Mas, como na questão do apagão, o problema da falta de professores não está na imprevisibilidade, e sim no planejamento. No Brasil, segundo os especialistas, ainda se fez pouco para acelerar a formação de professores e prevenir um colapso que, para alguns, é iminente.

Um estudo recente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) alerta para a urgência do desafio, indicando que metade dos professores brasileiros que estão trabalhando tem entre 40 e 59 anos e caminha para a aposentadoria.

Para Ibañez, que estuda medidas emergenciais, a questão passa pela motivação do professor, o que significa a melhoria das condições de trabalho. Segundo dados da CNTE, o salário médio do professor no país situa-se na faixa de R$ 500 a R$ 700 por mês.

Marcelo Soares/Folha Imagem
O químico e professor Edson Izidro dos Santos, em sala de aula
É por esse motivo que os colegas do químico Edson Izidro dos Anjos, 28, formado pela Universidade de São Paulo, estranharam quando ele disse que queria ser professor. Formado em 1997, viu todos os seus amigos encaminharem-se para a indústria ou ficarem como pesquisadores na universidade. Ele, no entanto, deu aulas em escolas estaduais logo no primeiro ano de faculdade e gostou da experiência. "Infelizmente, as pessoas fazem idéia de que só há descaso na área da educação, mas me sinto um privilegiado", diz.

Especialistas na área apontam outras opções para estimular o interesse pela carreira de professor, como a simplificação dos procedimentos de qualificação profissional —cursos de nível superior de duração mais curta, educação a distância e flexibilização da formação são bons exemplos. O economista Cláudio de Moura Castro, ex-diretor da área de educação do Banco Mundial, encontrou soluções semelhantes em outras partes do mundo e acredita na flexibilização. "Quem faz engenharia está mais do que habilitado para ensinar física", diz.

Nos últimos anos, o Brasil esboçou passos, que ainda não se consolidaram, na qualificação dos professores. Uma das principais iniciativas tomadas foi a criação dos Institutos Superiores de Educação, especialmente destinados à formação dos professores, com flexibilidade curricular.

Para a pesquisadora Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, é preciso repensar os cursos de licenciatura, principalmente na área de ciências. "O acesso é difícil, o aluno passa pelos vestibulares, mas será que depois valerá a pena?", pergunta.

"Só vale se for em escolas particulares top", responde o biólogo Humberto Luís Tommaro, 30, professor de ciências do colégio Oswald de Andrade-Caravelas, em São Paulo, que pensa em dividir seu tempo dedicando-se a um mestrado em educação ambiental. O excessivo número de aulas que precisaria dar em diferentes escolas o fez desistir de continuar na rede pública.

     

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