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27/05/2003 - 03h30

Lições no tabuleiro

LAURA KNAPP
free-lance para a Folha de S.Paulo

Aprender brincando, o velho clichê que não passava de uma força de expressão, vai aos poucos se firmando como nova pedagogia. Ainda pouco difundido no Brasil, o conceito aproxima os alunos do mundo das ciências.

Fotos Marcelo Soares/Folha Imagem
Ernst Hamburger, diretor da Estação Ciência, em uma área do museu

É possível ensinar com tabuleiros, jogos e brincadeiras? "Tudo ajuda", responde o diretor da Estação Ciência, Ernst Hamburger, 69. "Na nossa sociedade, estamos cada vez mais recebendo mensagens de todas as áreas, e a escola é só mais um modo de passar informação."

Quer entender como o corpo humano transporta energia elétrica sem tomar choques? A teoria fica mais clara e pode ser comprovada por qualquer visitante da Estação Ciência. Basta se candidatar a colocar a mão em uma engenhoca chamada Bobina de Tesla, com tensão de milhares de volts. Sem se machucar, o voluntário acende uma lâmpada fluorescente encostada em sua pele.

Exposição permanente administrada pela Universidade de São Paulo, a Estação Ciência atrai 200 mil visitantes por ano. Para fazer uma visita, a escola interessada precisa esperar cerca de dois meses.

A Estação Ciência —um dos museus de ciências do Brasil com maior parcela interativa— tem exposições de astronomia, física, geologia, biologia, história, informática, matemática, ciências sociais e arte, entre outras. Atualmente, elas cobrem cerca de 20 temas, como termodinâmica, transformação de energia e meteorologia. Aparelhos movidos a manivela, girada pelo visitante, demonstram como um rádio, uma televisão e um chuveiro elétrico demandam quantidades diferentes de energia para funcionar.

Ao lado, uma maquete mostra a formação de uma bacia hidrográfica. Na sala de matemática, jogos-da-velha com uma pegadinha: são em três dimensões. E não faltam aqueles espelhos de parque de diversão que deformam a imagem. Brincando, as imagens permitem o aprendizado de conceitos de ótica.

O problema é ficar só no entretenimento. "Não pode descambar para a simples brincadeira", diz o diretor da Estação Ciência. O excesso de ênfase na possibilidade de manusear os materiais pode desvirtuar o objetivo do método de ensino.

Quando a criança não pode ir ao museu, o museu vai à criança. A Estação Ciência tem a Experimentoteca, uma coleção de pouco mais de 50 malas com materiais usados nas experiências. As malas são emprestadas a professores, que recebem orientação sobre como fazer a experiência em classe.

O Museu Paraense Emílio Goeldi, que também tem atividades interativas, empresta a escolas a coleção Emília Snethlage. São cerca de 3.800 peças, entre animais empalhados, plantas secas, artefatos indígenas, minerais e fósseis. A idéia é que os alunos possam conhecer na prática os temas que estudaram em aula.

Gustavo Arruda, gerente de produto da Grow, mostra uma experiência do Kit de Química
Mas o contato direto com a matéria, com a possibilidade de o próprio aluno ou interessado tentar resolver e descobrir por si como funcionam as leis científicas, também pode ser feito em casa, com jogos. O Aventura Ciência, da Grow, tem 20 experiências, sobretudo de física. O kit de química Alquimia tem 85. "Esse tipo de produto, principalmente os kits, tem muita demanda", diz Gustavo Arruda, gerente de produto da Grow.

Uma iniciativa recente voltada para unir atividades lúdicas e aprendizado é a mostra "Por Que, Pra Quê?", no Sesc Interlagos, em São Paulo. São debates, peças de teatro educativas e 19 instalações com o objetivo de difundir o elo entre a teoria e a prática do conhecimento científico.

Entre outras experiências, os visitantes entram em uma câmara escura que reproduz o funcionamento básico do olho e fazem experimentos para detectar o deslocamento do som no ar. Crianças de 6 a 12 anos são o público-alvo, mas há monitores preparados para recepcionar outras faixas etárias. "O lúdico e o prazer da descoberta estão presentes em todas idades", afirma Dóris Larizzatti, 35, coordenadora-executiva do evento —aberto até o final do ano, de quarta a domingo e em feriados.

Há, ainda, o mundo virtual. A ciência é muito difundida pela internet, inclusive com sites que ensinam experiências. E se algumas delas ensinarem conceitos errados a um estudante desavisado? O perigo existe, mas não só na internet. "Até em muitos livros adotados pelo MEC, com tiragem de milhões de exemplares, foram descobertas besteiras inimagináveis", afirma o professor Fredric Michael Litto, fundador e coordenador científico da Escola do Futuro, ligada à Universidade de São Paulo.

Litto é inteiramente a favor da experiência como motor do aprendizado e do autodidatismo. "Há muita coisa para ensinar, e a sala de aula deve servir mais para esclarecer dúvidas", defende. "O tempo do professor é valioso e não deve ser usado para fornecer informação."

Colaborou Marcelo Vaz, free-lance para a Folha de S.Paulo

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