Folha Online sinapse  
27/05/2003 - 03h32

Gilson Schwartz: Só redes abertas são inteligentes

GILSON SCHWARTZ
colunista da Folha de S.Paulo

O conhecimento é algo vivo. Merece uma ecologia. A abertura é o princípio elementar dessa ecologia. As tecnologias só existem como fermentos intelectuais se funcionarem como espaços indefinidamente abertos. A ecologia cognitiva também é, portanto, filosofia política.

Sem abertura, as redes viram máfias. Mas qual é o ponto ótimo de abertura para a rede num indivíduo, num grupo ou organização? Encontrá-lo exige uma intensa e permanente negociação. O eldorado das novas mídias digitais, a interatividade, depende do sucesso dessa negociação.

Na "multiplicidade conectada" que se desenvolve nas redes, cada ator está dotado de uma capacidade de interpretação. Mas a lógica que governa essa interpretação não é binária, como a do computador, que oscila entre 0 e 1, mas contraditória, contingente, passional e, muito frequentemente, animal.

Entre o indivíduo e as redes, há formas de vida. Essas formas é que dão sentido e organizam as interpretações de cada indivíduo, nelas as linguagens evoluem como cultura. A política é o jogo da renegociação permanente dessas formas. Não há redes sem uma política de redes. E não há política sem cálculo, sem indicadores, sem critérios de desempate na negociação institucional e econômica de cada conexão.

É a existência bem real dessas redes em que a abertura é negociada que justifica a existência de empresas de consultoria que podem, por exemplo, apregoar a sua capacidade de identificar e medir o perfil cognitivo de um grupo (uma outra empresa, por exemplo) e prescrever um perfil de aprendizado adequado à forma de vida cultivada nesse cliente.

Só um grau suficiente de abertura promove a inteligência coletiva, ou seja, construída com base em projetos sociais, educacionais e econômicos legítimos. Sistemas fechados e policialescos, como os que proliferam não apenas depois do 11 de setembro mas que, de modo geral, caracterizam as redes contemporâneas em todo o mundo, transformam rapidamente todo esse aparato tecnológico e midiático em uma monstruosidade burra, manipuladora e exploradora.

É, afinal, uma aritmética bem simples: quanto mais fechado o sistema, menos gente está se encontrando e se obrigando a repensar sua inserção no mundo. Portanto, menor é o grau de desenvolvimento das nossas inteligências —individuais e coletivas.

A lógica das redes não depende só do meio, mas das mensagens que cada um é capaz de produzir e interpretar. Sem conteúdo, o meio é burro.

Gilson Schwartz, 43, é economista e sociólogo, diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br) e coordenador do grupo de avaliação do Prêmio de Excelência em Informática Aplicada a Serviços Públicos (www.conip.com.br).
E-mail: schwartz@usp.br

     

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