Folha Online sinapse  
26/08/2003 - 03h03

Da literatura marginal ao resgate do cordel

ANTONIO ARRUDA
free-lance para a Folha de S.Paulo

Algumas lançam em média um livro por ano. É preciso bastante esforço para que seus títulos ganhem algum espaço nas prateleiras (que dirá nas vitrines) das grandes livrarias. A tiragem dos livros que elas publicam não raro fica em torno dos mil exemplares. Mas, apesar das dificuldades, editoras pequenas que focam suas atividades em um segmento editorial específico conseguem realizar um verdadeiro "garimpo literário" e abastecer o mercado com obras inusitadas para o público e, na maior parte das vezes, de grande qualidade.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Sandra Murayama, criadora da editora Zipango
Em geral, é a paixão por um determinado assunto que leva os pequenos editores a se aventurarem em um novo nicho de mercado. A Zipango talvez seja o exemplo mais recente. Fundada pela tradutora Sandra Mayumi Murayama no mês passado para publicar, em portugês, obras de autores japoneses ou cujo tema central seja o Japão, a editora tem o sonho de fazer o inverso: levar títulos brasileiros para o leitor japonês. "Muitos descendentes não falam mais o idioma. Ficava agoniada de ver que alguns livros sobre o Japão não eram lançados aqui", diz.

"O pequeno editor é muito caprichoso no que faz; ele investe mais em novas idéias, em novas propostas, não tem receio de ousar", diz Marino Lobello, um dos vice-presidentes da CBL (Câmara Brasileira do Livro). No Brasil, segundo Lobello, existem de 2.000 a 3.000 editoras de pequeno porte.

Para os proprietários dessas editoras, o importante não é, de fato, a quantidade. Lobello acredita que muito do que surge de tendência no mercado editorial é trazido pelo pequeno editor. "Como, em geral, ele conhece bastante o segmento em que atua e desenvolve um trabalho intenso de pesquisa, consegue encontrar material muito bom", acredita o vice-presidente da CBL.

O italiano Andrea Vicentini é um desses editores. Agricultor e economista de formação, sempre foi fanático por livros antigos de economia. Vendo que, no Brasil, autores estrangeiros dos séculos 17 e 18 não eram publicados, criou a Segesta, em Curitiba, que, desde a sua fundação, em 1999, lançou quatro livros (e está terminando o quinto) de autores desse período. Um deles é "Da Moeda", do iluminista italiano Ferdinando Galiani (1728-1787), lançado em parceria com a editora Musa.

Quase todas as editoras especializadas nascem com o pé fincado na biografia do seu empreendedor. Klévisson Viana, cearense de Quixeramobim, bisneto, neto, filho e ele próprio cordelista, aflito por ver minguar a tradicional literatura de cordel, criou a Tupynanquim, em 1995. Até hoje, a editora lançou 252 títulos de 52 poetas de todo o Nordeste.

O músico checo Bohumil Med também resolveu escrever e editar seus próprios livros sobre teoria musical quando, lecionando nas universidades federais do Rio e de Brasília, deparou-se com a escassez de material teórico sobre música. Isso foi há 20 anos, quando fundou a MusiMed. Desde então, publicou 40 livros nesse segmento (cinco de sua autoria). No catálogo, encontra-se, por exemplo, "Pedagogia Musical Brasileira", de Ermelinda Paz.

Essa relação íntima com o tema escolhido estabelece uma forma quase artesanal (e não por isso menos criteriosa) de escolher os títulos a serem publicados. A poeta Thereza Christina Motta, por exemplo, coordena há quatro anos um grupo chamado Ponte de Versos, que se reúne quinzenalmente no Rio de Janeiro para ler e discutir poesia. Foi para atender ao pedido do também poeta (e amigo) Ricardo Ruiz —que pediu a Thereza que o ajudasse a publicar seu livro— que ela fundou a Ibis Libris, editora que tem o compromisso de vasculhar o que há de novo na poesia contemporânea brasileira.

"É a partir desses encontros, de pessoas que querem de fato realizar algo novo na produção literária brasileira, que vamos buscar nosso material", diz Thereza. A confluência de escritores é tanta que, no último livro lançado pela Ibis Libris, estão reunidos 68 dos cerca de 150 poetas do Rio (de diferentes grupos literários) que mantêm contato frequente.

Visibilidade na mídia também acontece. Um dos livros da chamada literatura "marginal" —na verdade, escrita por autores que vivem à margem da sociedade ou quase lá— entrou na lista dos mais vendidos graças ao empreendimento e ao risco que assumiu uma pequena editora especializada.

O editor João Eduardo Pedroso Oliveira, que trabalhou durante um ano como professor em um presídio feminino de São Paulo, leu certo dia uma reportagem sobre um morador do Capão Redondo que contava sua história nesse violento bairro da capital, mas não encontrava quem a publicasse. Decidiu: "Vou editar esse livro".

Foi assim que "Capão Pecado", de Ferréz, foi parar nas livrarias. Foi a primeira obra publicada pela Labortexto, fundada em 2002, que já lançou dez títulos sobre temas ligados à carceragem e à opressão social. "Por sermos específicos, acabamos ganhando destaque com o público e certa visibilidade na mídia. Ao mesmo tempo que ser pequeno traz empecilhos, especializar-se faz com que seja possível a gente se sobressair", conta Oliveira.

A maior dificuldade que enfrentam essas pequenas editoras talvez seja mesmo a distribuição. Sem verba para alugar um galpão de estoque, com dificuldade para fazer os livros chegarem a todos os pontos do Brasil e sem espaço nas grandes livrarias, elas acabam encontrando canais de venda alternativos. Lojas de museus, casas de cultura e feiras culturais podem ser opções de contato com o leitor.

Com a fundação da Libre (Liga Brasileira de Editoras), pelo menos as 70 pequenas e médias editoras que fazem parte dela estão conseguindo maior visibilidade, com participação em eventos. Editar e escolher seus títulos, no entanto, nunca foi um problema.

Saiba mais:
A Primavera dos Livros 2003, evento organizado pela Libre, acontece nas seguintes datas:
  • São Paulo: de 18 a 21 de setembro, das 10 às 22h; grátis. Centro Cultural São Paulo. Entrada gratuita.

  • Rio de Janeiro: de 16 a 19 de outubro, das 10 às 22h, no Armazém 5 do Cais do Porto. Entrada gratuita.


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