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27/08/2002 - 02h38

John Forgách preserva o verde trocando o idealismo pelo lucro

FLÁVIO DIEGUEZ
free-lance para a Folha

John Forgách é um brasileiro improvável, a começar pelo nome, mistura de um austro-húngaro nobre e um inglês plebeu que nada revela sobre sua verdadeira origem: ele é curitibano. O que o torna mais improvável, porém, é a surpreendente guinada que deu em sua vida.

Caio Esteves/Folha Imagem
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John Forgách, no jardim de sua casa em São Paulo


Ex-magnata do petróleo, uma atividade agressiva ao ambiente, Forgách abandonou o mundo das grandes fortunas para se dedicar a investimentos ecologicamente corretos.

Continua sendo o lucro, porém, e não o bom-mocismo, o norte de sua vida profissional e a garantia da defesa da natureza —as duas coisas, para ele, não podem mais ser dissociadas. Talvez com outras palavras, é isso o que Forgách se prepara para falar na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10), que está sendo realizada em Johannesburgo, na África do Sul. Forgách é convidado das Nações Unidas para participar da plenária regional, prevista para 29 de agosto, sobre inovações no financiamento do desenvolvimento sustentável.

Seu relato estará amparado em sua própria vivência. Apesar de herdeiro de uma das famílias mais antigas e influentes do império austro-húngaro —seu bisavô rascunhou o ultimato que a Áustria apresentou à Sérvia após o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, em Sarajevo, em 1914, que provocou a Primeira Guerra Mundial—, Forgách é do tipo que pode começar o dia debaixo de um mosquiteiro e remar para o trabalho em uma canoa precária, em algum rio da Amazônia.

A virada de Forgách se deu em 1995, aos 47 anos, quando doou parte de sua fortuna ao mais sofisticado criatório de araras brasileiras do mundo, a Verein Hyacynthinos, da Suíça. Seu objetivo? Aumentar a oferta do animal a ponto de desestimular a apreensão dessas aves selvagens em florestas brasileiras.

A arma capitalista —que, como ex-vice-presidente de investimentos do Chase Manhattan, ele domina— foi usada com êxito para defender a natureza. Forgách, porém, se apressa em rejeitar qualquer rótulo. "Ninguém aqui é ambientalista", diz ele no escritório de sua empresa de investimentos, a A2R Fundos Ambientais, instalada em um recém-inaugurado prédio de arquitetura neoclássica, em uma área nobre de São Paulo.

Aos 54 anos (que completará três dias depois de sua participação na Rio +10), Forgách se especializou num segmento estreito de mercado. Ele investe em pequenas empresas familiares, endividadas, sem recursos e sem tecnologia, e muitas vezes em situação irregular, até dependentes de trabalho infantil.

Seu mais recente interesse, resultado de uma expedição na Amazônia, é a empresa Muaná, na ilha de Marajó (PA). Forgách gostou do fato de a empresa explorar um produto quase ausente das mesas do primeiro mundo: o palmito. No caso, palmito de açaí.

Convencido de que se tratava de um bom investimento, remodelou a empresa, projetando um retorno de 20% do capital aplicado a partir do décimo ano de operação. Ele está certo de que não terá dificuldade em encontrar, no futuro, um comprador entre as maiores multinacionais do mundo.

Comprar, modernizar, vender. É assim que Forgách aumenta o capital que a A2R administra desde sua criação, em 2000. Fundada em associação com o banco Axial, que já fechou as portas, a empresa é um novo tipo de fundo de investimento, que levanta capital junto a instituições como o Banco Mundial ou o governo suíço e aplica na modernização de empresas ligadas ao ambiente.

A A2R tem US$ 100 milhões investidos em empresas de alimentos orgânicos, setor que que gira anualmente cerca de US$ 20 bilhões no mundo. A expectativa é multiplicar o capital por quatro até 2004.

Entre os projetos que Forgách administra há hotéis-fazendas no Peru, uma fazenda de produtos orgânicos em Morungaba (SP), um projeto de manejo florestal em Itaquatiara (AM) e uma "fábrica" de carvão ativado, no Tocantins, que utiliza o coco de babaçu como matéria-prima.

Há ainda projetos de reflorestamento em diversos países da Ásia, da África e da própria América Latina. Forgách, no entanto, quer concentrar seus esforços no Brasil.

Nos Estados Unidos, ele é reconhecido como um desbravador. "Não há nada parecido por aqui", disse ao jornal "The New York Times" um dos seus concorrentes, Tammy Newmark, da empresa Nature Conservancy (com um décimo do capital da A2R). "Comparado conosco, Forgách é o menino grande do bairro."

Bryan Husted, professor de administração do Instituto Tecnológico de Estudos Avançados, em Monterrey, no México, o chama de um "Indiana Jones dos investimentos".

Ambos apostam no êxito da idéia principal de Forgách. "O uso de capital de risco em negócios ecologicamente corretos está crescendo depressa", diz Newmark.

A preocupação com o ambiente é apenas parte da história. A outra parte é a tentativa de ser socialmente correto. No Brasil, diz Forgách, isso significa fazer um pouco o trabalho do Estado. Pensando assim, ele construiu escolas na ilha de Marajó e doou a embarcação que transporta os alunos.

Robin Hood? Não. "Se você quiser reduzir os riscos para os investidores tem de reduzir a pobreza, o que se faz com educação e aumento da riqueza local", afirma.

Sem educação apropriada é difícil a manutenção de um arquivo eletrônico atualizado sobre as andanças dos coletores de açaí —os fornecedores da empresa. E, sem esse acompanhamento, é impossível saber se há desvio nas diretrizes conservacionistas que norteiam o negócio. A coleta do palmito deve ser feita em rodízio, sem destruição da árvore, para garantir uma produção auto-sustentada.

Embora os investimentos ainda não tenham terminado, a Muaná já tem atualmente o perfil que Forgách esperava dela. Do ponto de vista econômico, está reestruturada. Tornou-se a segunda maior produtora de palmito do país e exporta para a Europa.

Caio Esteves/Folha Imagem
John Forgách com uma de suas araras


Por conta de iniciativas como essa, Forgách tem recebido prêmios de respeitadas organizações ambientalistas mundiais. O mais recente foi o Green Globe, da Rainforest Alliance, no ano passado.

Casado em 1992 pela segunda vez, ele diz que sua mulher, Elisabeth, deveria se sentir traída. "Ela se casou com um homem que não é mais o mesmo. Eu ganhei muito dinheiro muito cedo e, depois de algum tempo, tinha tudo o que se pode desejar. Quando voltei para o Brasil, não tinha nada. Andava de táxi."

Ter estado em pólos opostos do capitalismo ajudou a desenvolver sua visão crítica. "O atual sistema econômico está condenado", afirma. Ele acredita que vem por aí uma nova consciência e que a biodiversidade será a sucessora da internet no posto de motor do desenvolvimento econômico mundial.

"As grandes empresas já estão convencidas de que é preciso explorar o ambiente sem depredação", diz o investidor, tentando explicar que não faz o que faz por ser um ambientalista visionário. Ou, o que seria pior, um ex-milionário brincando de salvar o planeta.

Sua pretensão é ser capitalista sem ser irracional, como diz. "Veja o Brasil: as empresas que dão emprego aqui são as pequenas e médias. O que estamos fazendo é dar capilaridade a esse sistema. O que importa é que eu sou capitalista e faço o dinheiro funcionar."

Nem todos concordam com o seu entusiasmo em relação aos "investimentos verdes". "Eu não diria que é uma boa solução", diz Adriano Henrique Biava, professor de economia da Universidade de São Paulo. "É uma alternativa rumo à solução", diz ele. "O que há é uma preocupação das empresas com sua imagem, em termos de marketing ambiental, e não uma modificação de seus processos produtivos." Como negócio, Biava é mais condescendente com a A2R: "A existência desses fundos é promissora, embora eles ainda sejam marginais e não tenham expressão diante da massa de recursos que circula na economia mundial".

Eduardo Martins, ex-presidente do Ibama e atual dono da Elabore, empresa de consultoria ambiental sediada em Brasília, dá crédito a Forgách: "Ele foi o primeiro a demonstrar que não há contradição entre a mentalidade financeira do lucro e o cuidado com o ambiente."

Links relacionados:
  • A2R Fundos Ambientais

  • The Rainforest Alliance - www.rainforest-alliance.org

  • Tec de Monterrey - www.itesm.mx

  • Universidade de São Paulo - www.usp.br

  • The World Bank Group - www.worldbank.org


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