Folha Online sinapse  
30/09/2003 - 02h52

Verbete: Terror sem fim

SÉRGIO MALBERGIER
Editor de Mundo

O terrorismo não é novo nem vai acabar, por mais bem-sucedida que seja a guerra ao terror promovida pelo atual governo dos EUA. Mas ele certamente atingiu seu auge em 11 de setembro de 2001, ajudado pelas novas tecnologias e liberdades sem precedentes do mundo até aquela data fatídica.

Reprodução
As liberdades, infelizmente, refluíram no bojo das medidas antiterror adotadas mundo afora, mas as tecnologias seguem se disseminando, inclusive as bélicas. A possibilidade assustadora e cada vez mais próxima de um grupo terrorista que glorifica o "martírio" suicida obter armas de destruição em massa deve fazer da guerra ao terror uma prioridade planetária.

O problema é a forma com que ela vem sendo conduzida. Os EUA e seu presidente, George W. Bush, obtiveram, justamente, toda a simpatia do mundo após os atentados, inclusive para invadir o Afeganistão e desalojar a rede Al Qaeda e o Taleban.

Mas Bush e os falcões de seu governo perderam o apoio mundial ao passarem por cima da comunidade internacional e invadirem o Iraque sem a autorização da ONU, escondendo seu real motivo: mudar a tendência ao extremismo no islã.

É bom lembrar aqui o óbvio: o terrorismo não é uma característica exclusiva do mundo islâmico. Judeus, cristãos, hinduístas, ateus, todos já praticaram o terror.

E os extremistas representam uma modestíssima parte do islamismo, uma religião que permite, como as outras, muitas leituras. Mas ganharam poder e influência desproporcionais, por causa de circunstâncias específicas, principalmente no mundo árabe.

Um relatório devastador, realizado por acadêmicos árabes a pedido da ONU após o 11 de Setembro, expôs a triste realidade: atraso tecnológico e social, repressão disseminada, ignorância, pobreza. Exemplo: praticamente metade do mundo árabe (a imensa maioria de suas mulheres) não tem acesso à educação ou ao mercado de trabalho. É um terreno fértil para pregadores como Osama bin Laden, que denunciam os corruptos governantes árabes, todos ditadores em diferentes graus, e prometem o paraíso.

Ao invadir o Iraque, a administração Bush viu uma série de benefícios: garantiria o vital fornecimento de petróleo (uma vez que a aliança com os sauditas ficou ameaçada), deporia um dos mais sanguinários ditadores de nossa era e levaria ao centro do mundo islâmico a guerra que poderia vir a ser travada em Nova York, Washington ou Londres.

Mas como levar a democracia —e com ela mais educação e oportunidades— para o mundo árabe e desarmar a ameaça terrorista? (Não me parece válido o argumento relativista de que talvez a cultura árabe não admita a democracia.)

Os EUA estão vendo diariamente nas ruas de Bagdá, Fallujah e Tikrit que a tarefa é árdua, e seus métodos, errados. Conseguiram, sim, criar um campo de batalha longe de suas cidades. Os terroristas estão penetrando nas porosas fronteiras iraquianas para combater os "novos cruzados", como insistem as fitas atribuídas a Bin Laden.

O resultado da aventura iraquiana ainda está longe de ser claro. Seu desfecho influenciará o mundo todo nas próximas décadas. Se o poderoso Exército americano voltar para casa com o rabo entre as pernas, os terroristas terão obtido uma enorme vitória. Mas apoiar a ação americana também é difícil, pela forma com que está sendo conduzida.

Uma saída parece ser a transferência da administração do pós-guerra iraquiano à ONU. Mas o governo Bush, embora disposto a reforçar o mandato das Nações Unidas, quer seguir controlando o destino (e os poços de petróleo) do Iraque.

Assim, o mundo perdeu interesse na guerra ao terrorismo. Pior para todos.

Sérgio Malbergier, 38, é jornalista. Gostaria de produzir tiras engraçadas para o jornal.

     

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).