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27/08/2002 - 02h39

Oriente Médio: um conflito entre irmãos

PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo

Mais de 50 anos de conflito entre israelenses e árabes e a onda de violência no Oriente Médio levam à crença de que os dois povos vêm de mundos antagônicos. Não é isso, porém, o que pensam teólogos, linguistas e geneticistas. Em que pesem as visões extremistas de ambos os lados, árabes —sejam palestinos, sírios ou libaneses, muçulmanos ou cristãos— e judeus de qualquer procedência podem ser considerados irmãos, geneticamente.

Eles compartilham uma linha genética que remonta a milhares de anos e têm um ancestral em comum, como demonstraram especialistas que analisaram homens de regiões como o Oriente Médio, a Europa e a África, com o intuito de observar eventuais similaridades genéticas e tentar traçar suas origens.

Mesmo uma instituição acadêmica como a Universidade de Nova York revelou que nem sempre ciência e religião são antitéticas. De acordo com seu Programa de Genética, judeus e árabes preservaram suas raízes genéticas do Oriente Médio por mais de 4.000 anos e são realmente "filhos" de Abraão.

O judaísmo, o cristianismo e o islamismo apontam para um "pai religioso" comum: Abraão, descendente de Noé e de seu filho Sem (ou Shem) —daí vem o termo semita, cunhado pelo historiador e filólogo alemão August Ludwig von Schlözer, em 1871.

Devido ao papel central de Abraão, essas religiões monoteístas passaram a ser conhecidas como abraâmicas.

A mulher de Abraão, Sara, era estéril. Assim, ele teve um filho com Hagar, a quem se chamou Ismael —considerado por muitos o antepassado dos árabes.

Abraão circuncidou a si e a Ismael. Por isso, homens judeus e muçulmanos —em idades diferentes— até hoje se circuncidam. Quando Ismael tinha 13 anos, Abraão foi informado de que Sara teria um filho. Segundo a tradição, uma intervenção divina permitiu o nascimento de Isaac, que mais tarde seria pai de Jacó (também chamado de Israel).

Arte/Folha Online
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Os textos religiosos desempenharam papel fundamental na preservação do árabe e do hebraico, ambos idiomas semíticos que pertencem à mesma família linguística, com raízes predominantemente trilíteres (três letras) e com semelhanças lexicais. A palavra "dia", por exemplo, diz-se "iaum", em árabe, e "iom", em hebraico. A própria palavra "paz" ("salam", em árabe, e "shalom", em hebraico) tem origem afim.

A disputa pela terra, no Oriente Médio, por vezes ofusca o exemplo da Idade Média, em que judeus e árabes tiveram um dos períodos de melhor convivência. Parte dessa época (aproximadamente 900-1200) ficou historicamente conhecida como Idade de Ouro, devido à rica produção científica e literária de ambos os grupos na Península Ibérica, sobretudo no sul da Espanha.

Antecedentes como a Idade de Ouro, bem mais longa que a atual fase conflituosa, e a experiência de negociações pacíficas revelam que a convivência e a cooperação israelo-árabe não são utopia e que o fim do fratricídio é apenas uma questão de tempo.

Paulo Daniel Farah, 30, jornalista e professor de literatura, é autor de "A Poesia de Nizar Qabbani" (CT, 98), "Uma Análise de Termos Islâmicos" (ISM, 99) e "Folha Explica o Islã" (Publifolha, 2001). Em seu tempo livre, toca piano e flauta transversal.
E-mail - farah@folhasp.com.br

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