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30/09/2003
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03h02
Análise: Entenda a fábula "A Falsa Avó"
CARLOS EDUARDO BERRIEL especial para a Folha de S.Paulo
Na fábula "A Falsa Avó", extraída das "Fábulas Italianas", de Calvino, podemos ver muitas das idéias expostas no "Leituras Cruzadas". A semelhança com Chapeuzinho Vermelho é óbvia. É, como muitas, uma fábula circulante no mundo camponês, e também nela se observa a presença estratificada e cruzada de culturas diversas.
Podemos notar ainda que os elementos arcaicos ou fabulares estão todos reescritos na linguagem da cultura e do mundo camponês, e os elementos mágicos estão também em alguma medida racionalizados, recorrendo aos conhecimentos técnicos e às concepções ideológicas do mundo camponês e da sua relação com a natureza.
Mas também entre os elementos da cultura camponesa, dominantes no texto, se inserem elementos da cultura dominante e douta (em particular da cristã). Esta, como outras fábulas de magia, representa, no seu estrato de significados mais profundo e arcaico, uma experiência ritual de iniciação, que foi reescrito na linguagem do mundo camponês: são objetos do mundo camponês europeu a farinha, a peneira, a porteira, a cabra na estrebaria.
A casa da Vovó-Ogra é uma típica casa camponesa, com o quarto no piso superior, a portinhola para o gato, a estrebaria debaixo da sala à qual se chega através de uma corda. O sistema arcaico de interdições, de obstáculos e das intervenções mágicas sofreu um processo de racionalização bastante refinado: as roscas são colocadas em relação com a forma dos redemoinhos do rio; o pão com óleo, através de uma espécie de jogo de palavras, é colocado em relação com as dobradiças enferrujadas da Porta Gradeada.
Sobre os estratos de significados mágico-arcaicos e aquele das coisas e concepções do mundo camponês, se sobrepôs um estrato posterior, de significados próprios da cultura douta. Aplicando a regra que em literatura, sobretudo na literatura popular, a denominação nunca é arbitrária, mas é funcional ao sistema complexivo dos significados, o rio que circunda a casa da avó recebeu o nome bíblico de rio Jordão (carregado de significados rituais para o cristão, ligados ao rito da purificação e do batismo). Esse, quando se torna agente e atua como aliado da protagonista, abaixa as águas como o Mar Vermelho da história bíblica.
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