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27/08/2002 - 02h41

Esqueça a reverência ao abrir Dom Quixote

MARIA AUGUSTA DA COSTA VIEIRA
especial para a Folha

A obra mais traduzida no mundo depois da Bíblia está ganhando mais três versões no Brasil. "O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha", do escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616) —eleito por cem escritores de 54 países, em uma pesquisa realizada pelo Clube do Livro da Noruega, o melhor livro da história— está pronto para conquistar novos leitores.

Gravura da edição da espanhola Peera
A Nova Cultural acaba de relançar a tradução mais popular, a dos viscondes portugueses de Azevedo e de Castillo. No final de outubro, a Editora 34 lança uma nova tradução, prometendo reproduzir o ritmo e o humor da linguagem cervantina. Além disso, o poeta, tradutor e ensaísta Ferreira Gullar escreveu uma adaptação do romance para o público jovem (editora Revan, 224 págs., R$ 29).

Apesar de estarmos diante da obra literária mais importante da humanidade, não há por que se intimidar. Na verdade, a fama do "Quixote" se deve muito à sua capacidade comunicativa intensa com cada um de seus leitores individuais, no passado e no presente, acima e abaixo da linha do Equador.

Quando se comemorou os 450 anos do nascimento de Cervantes, em 1997, o Círculo de Belas Artes de Madri propôs uma festividade totalmente incomum durante as celebrações do Dia do Livro. Credenciou mil pessoas, das mais variadas origens culturais de todo o mundo, para uma leitura, em voz alta e ininterrupta, do "Quixote".

Cada participante se encarregou de ler em seu próprio idioma um fragmento da obra, de modo que todos os demais, mesmo desconhecendo a língua, sabiam qual era o conteúdo da leitura. O objetivo central da reunião foi o de evidenciar que a obra de Cervantes é um espaço de convergência de toda a humanidade, capaz de romper as muitas fronteiras entre os povos.

No entanto, se o "Quixote" tem a capacidade de se integrar nas mais diversas culturas, ao mesmo tempo está arraigado a um contexto muito específico: a Espanha dos séculos 16 e 17. A primeira parte da obra foi publicada em 1605 e a segunda, apenas em 1615. Quando Cervantes publicou a primeira parte contava com 58 anos e já tinha aprendido, como ele mesmo diz, a ter paciência diante das adversidades da vida.

Maria Augusta da Costa Vieira, 50, é professora de literatura espanhola na USP e autora de "O dito pelo não dito: paradoxos de Dom Quixote" (Edusp/Fapesp). Está lendo "Raízes do Riso", de Elias Thomé Saliba e "Leniza & Elis", de Ariovaldo José Vidal e Joaquim Alves de Aguiar.
E-mail - mavieira@usp.br

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