Folha Online sinapse  
28/10/2003 - 03h04

À caça de novos pesquisadores

ANTONIO ARRUDA
free-lance para a Folha de S.Paulo

No final de setembro, dois brasileiros chegaram ao país com medalhas de bronze no peito. Eduardo Higino, 17, e Iury Bertollo, 17, participaram não de uma olimpíada desportiva, mas de uma que considera outro tipo de desempenho dos concorrentes: o intelectual.

Cris Bierrenbach - 16.ago.2003/Folha Imagem
Alunos em etapa da Olimpíada Brasileira de Física

Os estudantes estiveram em Havana (Cuba), representando o Brasil na Olimpíada Ibero-Americana de Física. Como eles, milhares de estudantes dos ensinos médio e fundamental participam anualmente de olimpíadas científicas brasileiras (estaduais, regionais e nacionais) para, quem sabe, conseguir chegar a uma competição internacional.

As últimas competições do ano acontecem em novembro, mas estudantes já podem se preparar para as competições de 2004 (alguns sites disponibilizam o calendário) e, quem sabe, ter a mesma surpresa de Haroldo Ribeiro Filho, 17, recebido pelos colegas, que gritavam em coro: "Cadê a medalha, cadê a medalha?", após a Olimpíada Internacional de Química, em Atenas (Grécia).

Sobre as olimpíadas

Olimpíada Brasileira de Astronomia
www2.uerj.br/~oba

Olimpíada Brasileira de Física
www.sbf1.if.usp.br/olimpiadas

Olimpíada Brasileira de Informática
http://olimpiada.ic.unicamp.br

Olimpíada Brasileira de Matemática
www.obm.org.br

Olimpíada Brasileira de Química
www.ufc.br/obq

Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente
www.olimpiada.fiocruz.br

Olimpíada Nacional Evoluindo-Saúde
ohpavan@unicamp.br

Maratona de Programação da Sociedade Brasileira de Computação
http://maratona.ime.usp.br


São realizadas anualmente, com apoio oficial do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), olimpíadas nacionais de física, química, matemática, astronomia, programação de computação, informática, saúde e ambiente. Somadas, elas reúnem, a cada ano, mais de 250 mil estudantes de todo o país.

Com exceção da de astronomia, as olimpíadas começam em nível regional, com competições estaduais —como a Olimpíada Paulista de Matemática ou a de física. Em alguns casos há competição por região, como a Olimpíada Norte/Nordeste de Química. Até que, finalmente, a competição chega ao nível nacional.

O foco principal das olimpíadas são os alunos do ensino médio. A única competição que engloba também alunos da primeira à quarta série do ensino fundamental é a de astronomia.

Por trás do que pode parecer uma simples gincana, está uma verdadeira rede de conhecimento, que acaba se tornando uma forma eficaz de fomento ao ensino e à pesquisa. "Além de disseminarem a cultura científica entre a juventude, as olimpíadas têm também o papel tradicional de despertar vocações e permitir a identificação de novos talentos", afirma Cristina Reis, responsável no CNPq pelas olimpíadas científicas.

O conteúdo exigido nas provas geralmente ultrapassa aquele oferecido nas escolas. Nicolau Corção Saldanha, coordenador nacional da Olimpíada Brasileira de Matemática e professor da PUC-Rio, acredita que a escola exige pouca criatividade do aluno. "Ele aprende um roteiro de exercícios em sala e vai reproduzir na prova os mesmos problemas. A olimpíada exige que ele utilize as ferramentas que conhece de um jeito diferente do que está habituado. Ele precisa ser perspicaz", diz Saldanha, defensor da idéia de que essas competições mostram que a matemática "é bonita e desafiadora".

O professor José David Vianna, presidente da comissão da Olimpíada Brasileira de Física, acredita que a prova exige uma outra visão diante dos problemas propostos. "O aluno é desafiado de uma forma prazerosa. Ele é instigado a pensar as questões de forma completa."

A estudante Larissa Cavalcante Queiroz de Lima, 17, de Fortaleza, é veterana. Ela começou a participar de olimpíadas aos 13 anos. De lá para cá, já conquistou 16 medalhas. A mais recente, do ano passado, foi uma de prata, obtida na Olimpíada Internacional de Matemática, em Glasgow, no Reino Unido.

"Aprendi muito. É um conteúdo com menos fórmulas e mais raciocínio. É preciso ter muita atenção, quebrar a cabeça, ser criativo", conta Larissa, que se aprofundou tanto que ficou entre os cinco primeiros colocados no curso de verão da Universidade Federal do Ceará —cujo objetivo é nivelar alunos para o mestrado e o doutorado em matemática.

A estudante corresponde ao perfil de aluno que as olimpíadas têm em vista. "O resultado é que temos a chance de identificar os alunos com mais aptidão para seguir a carreira universitária", diz o professor Sérgio Maia Mello, coordenador nacional da Olimpíada Brasileira de Química.

Rodrigo Vilard Milet, 20, estudante do terceiro ano de matemática na Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que ter participado de uma olimpíada o fez ver "que é possível e interessante seguir uma vida acadêmica e de pesquisa".

Ele foi um dois oito universitários da primeira delegação brasileira a participar da IMC (sigla, em inglês, para Competição Internacional de Matemática), voltada para alunos do ensino superior, que aconteceu em junho em Cluj-Napoca, na Romênia.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Felipe Pereira, que ganhou bronze em astronomia
Felipe Augusto Cardoso Pereira, 17, diz que também confirmou sua vocação para a física ao participar, no ano passado, da Olimpíada Internacional de Astronomia, em Moscou, na Rússia. Ganhou a medalha de bronze e trouxe a certeza de que quer ser pesquisador. "Foi engraçado que ganhei fama de astrônomo na escola. Mas eu quero mesmo é ser físico, não sei de qual área ainda, pode até ser uma ligada à astronomia".

Haroldo, vencedor do bronze de química, diz ainda que participar de uma etapa internacional é uma experiência inesquecível. "Fiz amizades com croatas, portugueses, espanhóis e uruguaios e ainda pude conhecer Atenas, o que foi o máximo" —as provas dessas competições duram, em média, quatro dias, e os alunos costumam ficar cerca de dez dias nos países.

Além dos alunos, escolas e professores beneficiam-se com a participação nas olimpíadas. Para Vianna, há muita troca de informação, e o educador entra muitas vezes em contato com um conteúdo que exige uma aprofundamento também da parte dele. "Acontece uma reciclagem, além da possibilidade de novas experiências didáticas", diz.

Nas escolas, acaba acontecendo uma mobilização generalizada, e mesmo alunos que não participaram de uma olimpíada são estimulados pelos colegas que se envolvem nas competições. "Quando um aluno retorna com medalha, é comum a classe tê-lo como um exemplo", afirma Saldanha.

E não é só a possibilidade de um futuro acadêmico promissor que se instaura a partir dessas competições. O ingresso no mercado de trabalho também pode ser facilitado. A Maratona de Programação, promovida pela Sociedade Brasileira de Computação, realizada anualmente, tem como objetivo selecionar alunos para a fase internacional —e o evento final é patrocinado pela empresa de tecnologia IBM.

Segundo Carlos Eduardo Ferreira, coordenador da competição no Brasil, há uma grande disputa entre as grandes corporações do setor de informática para patrocinar o evento. "No ano passado, havia recrutadores da IBM tentando convencer universitários a participarem de programas da empresa", conta Ferreira.

     

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).