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25/11/2003 - 03h12

Seleção de campeões

VICTOR ROMUALDO FRANCISCO
free-lance para a Folha de S.Paulo

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Mirela Braghini: "Minhas colegas estão em cursinhos, e eu, em janeiro, já estarei em uma universidade"
"Em maio, eu estava louca, preocupada com o Enem e com o vestibular. Agora, minhas colegas estão se matando em cursinhos, e eu, em janeiro, já estarei em uma universidade nos Estados Unidos", comemora Mirela Braghini, 17, única brasileira aprovada numa grande peneira de jovens atletas a uma bolsa que garantirá a ela o ensino superior no exterior.

Em julho, Mirela participou —com mais de cem candidatos latino-americanos— do processo seletivo do o Idea (International Doorway to Education and Athletics), programa americano que dá bolsas para atletas estrangeiros. O programa chegou ao Brasil apenas neste ano, com a DW Brazil, uma agência de cursos no exterior localizada em São Paulo.

Dirigido principalmente para a América Latina (dos 140 inscritos avaliados, 110 eram latino-americanos), os alunos pré-selecionados são reunidos em determinadas universidades para atividades que servirão de base para que técnicos de várias modalidades esportivas os observem.

Mesmo sem encarar o vestibular, os testes por que Mirela teve de passar não foram fáceis. Entre os jovens que jogavam basquete, ela foi a única mulher aprovada pelo Idea. Com 1,75 m e 62 kg, ela teve de jogar em um time de meninos para participar da avaliação final.

A maior dificuldade da jovem atleta paulistana foi tentar aparecer na partida, já que seus companheiros de time não passavam a bola, e os adversários a ignoravam. Uma passagem lembrada com humor por Mirela foi ter percebido a revolta de um candidato argentino, substituído por ela, que não acreditava ter sido desbancado por uma mulher.

Depois dos testes, em poucos dias, Mirela tinha cinco propostas de bolsas em universidades. Ponderando tanto o lado esportivo como o acadêmico, ela ficou com a primeira que havia chegado a suas mãos: a da Mayville State University, no Estado de Dakota do Norte.

"No Brasil, eu pretendia fazer propaganda e marketing na ESPM. Pagaria uns R$ 15 mil por ano, fora livros e outros custos. Nos EUA, com a bolsa, vou pagar US$ 4.100 por ano (cerca de R$ 12 mil), incluindo livros, moradia e alimentação. E ainda ganho um laptop logo que chegar lá", compara a jogadora. Sem a bolsa, o valor anual do curso de "business administration" —sem incluir custos extras— ultrapassaria US$ 30 mil.

Assim que chegar, Mirela deve se juntar ao time e estrear no campeonato universitário, na 14ª rodada. O objetivo, no entanto, é chegar à WNBA, a versão feminina da NBA (National Basketball Association). "Esse sonho sempre passou pela minha cabeça, desde quando comecei a jogar, com 11 anos. Agora, estou mais perto dele", diz.

Mas Mirela não esquece as dificuldades de conciliar o basquete com seus estudos. "Lá, vou ter treinos de manhã e à noite e estudos à tarde."

Para participar da seleção do Idea, é necessário ter de 16 a 26 anos e praticar os esportes listados —entre eles, futebol, basquete, golfe e tênis. A dica "quente" de Karen McQuade e Maria Helena Ferrari, coordenadoras da DW Brazil, é o futebol feminino, categoria na qual a procura por novas atletas está em alta.

Além das habilidades esportivas, o processo conta com testes de conhecimento, com alguns custos pagos pelo concorrente. A primeira seleção é feita no Brasil, onde os atletas passam por uma avaliação com técnicos de suas modalidades e pagam uma taxa de US$ 500 (cerca de R$ 1.500), reembolsáveis caso o candidato não passe dessa fase. Aprovado no Brasil, o aluno deve custear sua ida aos EUA, onde participará das etapas seguintes.

Mas há outras formas de aproveitar o talento esportivo para garantir uma chance melhor no ensino superior. Em São Paulo, os clubes Pinheiros, Hebraica e Esperia mantêm uma parceria com a Unip (Universidade Paulista) para oferecer bolsas a seus atletas. Em troca dos benefícios aos estudantes, os clubes cedem espaço para as instituições de ensino.

Para o gerente de marketing do clube Pinheiros, Hernaldo Santini, "sem a parceria com a Unip, grande parte dos atletas desistiriam do esporte, pois teriam de trabalhar para pagar seus estudos". Para ele, o crescimento do esporte universitário só favoreceria os grandes clubes.

Além da Unip e da Uni Sant'Ana, na zona norte da capital paulista, que também conta com atletas de alto rendimento como bolsistas, a Universidade Mackenzie tem um programa de bolsas. Mas Geraldo de Souza, gerente de auditoria e esporte, salienta que o desempenho esportivo é apenas o terceiro item a ser contado para a concessão de descontos, que podem chegar a 100%. "Em primeiro lugar, leva-se em consideração a condição financeira do aluno, depois seu desempenho acadêmico e, por fim, o atlético", diz.

A Universidade Metodista de São Paulo não conta com um programa específico para atletas, que apenas se encaixam nas bolsas, com descontos de 20% a 80%. Mas recebem ajuda de custo da universidade, por exemplo, alguns alunos campeões pan-americanos de handebol pelo Brasil, em julho.

Atualmente, também tramita no Congresso um projeto de lei sobre bolsa-atleta. O objetivo é beneficiar os atletas em formação que estejam em seleções brasileiras de categorias de base ou indicados por federações esportivas.

Mas a sorte também ajuda. Danilo Castro, 24, conseguiu em 1998 uma bolsa quase integral para concluir sua graduação em comércio exterior na Universidade do Tennessee, nos EUA. Seu mérito: jogar tênis. Ele foi visto por um olheiro americano enquanto jogava no Brasil.

Quando terminou o curso, subiu mais um degrau: foi convidado pelo técnico do esporte para ser seu assistente, o que lhe valeu uma bolsa para um MBA, concluído em maio passado. Hoje, casado e professor de tênis no University Club, em Memphis, Danilo coordena um programa infantil. "Não pretendo voltar tão cedo", diz.

Saiba mais:
DW Brazil: 0/11/5687-0607 ou www.dwbrazil.com.br
Mackenzie: 0/11/3236-8634 ou www.mackenzie.br
Metodista: 0/11/4366-5600 ou www.metodista.br
Ministério dos Esportes: www.esporte.gov.br
Uni Sant'Ana: 0/11/6221-8000 ou www.unisantana.br
Unip: 0800-10 9000 ou www.unip.br


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