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25/11/2003 - 03h18

Para fazer mais música

IRINEU FRANCO PERPETUO
free-lance para a Folha de S.Paulo

Ele tem mais de 60 óperas no repertório, foi o responsável por casas alemãs como a Ópera de Bremen e a Ópera Alemã do Reno, de Düsseldorf, e tem sido elogiado pela crítica especializada pela melhoria no nível da Orquestra Sinfônica Municipal desde que assumiu a direção musical do Teatro Municipal de São Paulo, no começo de 2002; agora, contudo, sua ambição é pedagógica.

Gustavo Roth - 5.abr.2002/Folha Imagem
O maestro norte-americano Ira Levin
Ex-aluno do lendário pianista cubano Jorge Bolet (1914-1990), o maestro norte-americano Ira Levin, 45, vai contribuir para a formação de novos musicistas brasileiros: ele é a principal estrela do corpo docente da Escola Superior de Música, que começa a funcionar na Faculdade Cantareira a partir do ano que vem. "Acho importante passar conhecimento para as gerações futuras e creio que o Brasil tem um potencial incrível e inexplorado, para o qual eu gostaria de colaborar", afirma Levin, titular da cadeira de regência do curso que será dirigido por Henrique Autran Dourado, 50, também diretor da Escola Municipal de Música de São Paulo.

Instalada na área onde funcionava a fábrica de brinquedos Estrela, no bairro do Belenzinho, na zona leste de São Paulo, a Escola Superior de Música vai apostar na qualidade dos professores. "Por que a faculdade de Medicina da USP é a melhor? Não é pelo prédio, ou pelo nome da universidade. É pelo corpo docente", diz Dourado.

O diretor do novo curso montou uma equipe em que figuram alguns nomes de referência na formação dos respectivos instrumentos, como a violinista Elisa Fukuda, 51, formada pelo Conservatório de Genebra, o violoncelista Zygmunt Kubala, pós-graduado na Academia Superior de Música de Colônia, e o violonista Henrique Pinto, cujo nome aparece como professor no currículo de uma plêiade de astros brasileiros do violão.

O programa do curso tem o formato baseado no modelo alemão da "Hochschule" (de onde vem o nome Escola Superior), bem como no das instituições norte-americanas, como a Juilliard School e a New England, com "um currículo mais enxuto, voltado para a música", se comparado aos que já existem no Brasil. Em estrutura semestral, com quatro anos de duração, o curso oferece bacharelado em música (mas não licenciatura). Ao todo, são 60 vagas, com processo seletivo marcado para 6 de dezembro. A mensalidade deve ficar em torno de R$ 500.

O objetivo é ter alunos que já saibam tocar e queiram se aprimorar. Por isso, as aulas vão se iniciar à tarde, às 16h e terminar às 20h. "Quero poder receber o aluno que, pela manhã, ensaia em orquestra. A vantagem desse horário é que, depois da aula, à noite, ele ainda pode sair para realizar um concerto". Dourado, diretor do curso, promete uma seleção musical rígida, com banca específica para cada instrumento: "Entrará o melhor".

Ira Levin, por exemplo, programa ter classes de pelo menos cinco alunos, que assistirão a aulas ministradas em inglês (o português dele ainda é precário) e terão a oportunidade de acompanhar seus ensaios no Municipal, além de discutir as obras por ele preparadas com a orquestra. "Eu gostaria de vê-los tendo a oportunidade de reger uma sessão ocasional com uma orquestra profissional, porque nada pode substituir o ato de fazer isso de verdade", diz o regente.

A Escola Superior de Música —que planeja também iniciar em 2004 o que deve ser o primeiro curso superior para tecnólogos de áudio do Brasil— vem se juntar a outros cursos superiores que já existem na capital, como os da Faculdade Santa Marcelina, da UniFiam-Faam, da Faculdade de Música Carlos Gomes e da Faculdade Mozarteum, a maioria com processos seletivos marcados para dezembro.

As universidades públicas também oferecem graduações em várias áreas da música, de regência e composição a canto, passando por uma multitude de instrumentos. O Instituto de Artes da Unesp, sediado no bairro do Ipiranga, na zona sul da cidade. Na Unicamp, há opção também pela música popular, e, no final de 2001, foi criado em Ribeirão Preto um Departamento de Música da ECA-USP, desde 2002 com cursos de licenciatura e bacharelado em música e formação específica em instrumento. Em São Paulo, a ECA também oferece os cursos.

Para os profissionais da área, a abertura de mais cursos que selecionam com rigor seus alunos só traz vantagens para a música que se toca —e que se ouve. "Houve um grande avanço há uns quatro anos, quando a prova específica de música passou a selecionar previamente os candidatos", afirma o compositor Mário Ficarelli, chefe do Departamento de Música da ECA-USP, fundado em 1970. "Antes, pessoas eram aprovadas no vestibular sem nenhum conhecimento musical; a prova de aptidão era meramente classificatória", afirma.

Com o novo sistema, as desistências no curso diminuíram, porque passaram a entrar na universidade apenas alunos em condições de acompanhar o curso. E a procura tem crescido. "No ano passado, foram 550 candidatos para o curso da ECA; neste ano, foram 700, e 160 passaram na prova específica", diz Ficarelli.

Para se aventurar no curso superior de música é necessário ter um bom conhecimento prévio. De acordo com Ficarelli, esse conhecimento é cada vez mais provido pelas igrejas evangélicas, de onde sai um número crescente de alunos.

"Infelizmente, não temos no Brasil a escola de base [que equivale ao ensino médio em música]. Até 1970, bem ou mal, esse papel era feito pelos conservatórios, que eram fiscalizados. Depois, a LDB (Lei de Diretrizes Básicas) transformou os conservatórios em escolas livres, sem fiscalização. Criou-se um vazio: a maioria fechou", conta o compositor.

Mas os cursos superiores de música têm se expandido também na música popular, apesar da crença de que "ninguém aprende samba no colégio", como disseram Vadico e Noel Rosa em "Feitio de Oração". A maior novidade nessa área é a Faculdade Internacional de Música Souza Lima & Berklee, que começa a funcionar também a partir do ano que vem.

Há quatro anos, o Conservatório Musical Souza Lima mantém convênio com a Berklee College of Music, de Boston (EUA), tida como um dos principais estabelecimentos de ensino superior de música popular do mundo. "Com a Faculdade Internacional, o aluno que for aprovado aqui faz dois anos no Souza Lima e já entra no terceiro ano na Berklee", explica Lupa Santiago, coordenador do curso.

Ao se transferir para os EUA, o aluno terá de arcar com despesas de hospedagem e mensalidade. "Mesmo assim, vai compensar, porque na Berklee o semestre custa cerca de US$ 10 mil. Seria muito mais caro ter de estudar os quatro anos lá", afirma Santiago. Quem opta por só fazer os dois anos de curso no Brasil recebe o diploma de técnico em música. Concluir o curso nos EUA dá direito ao "degree", título acadêmico norte-americano comparável à graduação. No futuro, o próximo passo será oferecer um curso de quatro anos inteiramente nacional.

Para 2004, a faculdade internacional abrirá 30 vagas, que incluem canto, saxofone, guitarra, baixo e bateria. Os alunos serão reunidos em uma turma única, no período matutino. Os integrantes do corpo docente ainda não foram anunciados, mas há a promessa de que sejam apenas professores com formação internacional. O processo seletivo está marcado para janeiro de 2004, e as aulas começam no mês seguinte.

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