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27/01/2004 - 02h50

Verbete: "Espetáculo" adiado

MARCELO BILLI
da Folha de S.Paulo

Reprodução
O Brasil não cresceu em 2003. Ou cresceu muito pouco. Ou encolheu. No final de fevereiro, o IBGE vai divulgar a taxa de crescimento da economia brasileira, e qualquer uma dessas afirmações pode ser verdadeira. O motivo: a economia ficou estagnada, tendo produzido, em 2003, praticamente o mesmo volume de riqueza que em 2002. Isso será retratado por uma taxa de crescimento muito próxima de zero, algo que oscile entre -0,5% e +0,5%. Não dava para crescer mais? De fato, no início do ano passado, muitos analistas previam um desempenho melhor, algo em torno de 2%. O que frustrou essas expectativas? No final do ano retrasado, os brasileiros preparavam-se para eleger um novo presidente. Investidores internacionais, banqueiros locais, empresários e especuladores faziam apostas a respeito dos rumos que o país tomaria dependendo de quem ganhasse as eleições.

Por algum tempo, instalou-se o temor de que tudo mudaria a partir de janeiro, quando era provável que o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva assumisse a Presidência. Dizendo temer essas mudanças bruscas, os investidores se movimentavam: o dólar subia, a Bolsa caía, os títulos da dívida externa brasileira despencavam.

Esse terremoto no mercado financeiro teve conseqüências sérias para a economia. Com o dólar nas alturas, os preços de matérias-primas e produtos importados subiram. Essa alta era repassada para os preços internos, e a inflação começou a subir.

Para combater a inflação, o Banco Central começou a subir os juros já no final de 2002. Juros altos derrubam preços, mas à custa de matar o crescimento. Com juros altos, as pessoas compram menos a prazo. Com crédito caro, as empresas se endividam menos para produzir. Com empresas e consumidores apertando o cinto, toda a economia se retrai.

O remédio de juros altos continuou sendo utilizado pelo agora presidente Lula, que precisou mostrar ao "mercado" que ele não acabaria com a política econômica herdada do governo anterior. O choque de credibilidade funcionou: os títulos da dívida brasileira batem recordes de preço, a Bolsa está nos níveis mais altos em muitos anos, o dólar recuou, os juros começaram a cair em junho. O custo: crescimento quase nulo.

Um dos aspectos da taxa anêmica de crescimento: o número de brasileiros desocupados saltou de 2,1 milhões em dezembro de 2002 para 2,6 milhões em novembro do ano passado. A "fotografia" de 2003, portanto, não é muito bonita. Ainda assim, há quem se saia bem nela, como os setores exportadores. As empresas que conseguiram exportar se salvaram da retração interna.

Para 2004, governo e economistas esperam algo melhor: taxa de crescimento em torno de 3,5%. Os motivos: não há surto inflacionário para combater, não há uma grande crise internacional à vista, os investidores estão retomando a confiança no Brasil.

Mas ganhar a confiança de quem tem dinheiro não é condição suficiente para manter o país crescendo ou para atingir taxas de crescimento mais robustas do que os modestos 3,5 pontos percentuais projetados para 2004.

Para crescer mais, a economia brasileira precisa expandir sua capacidade de produção. São necessários mais máquinas, fábricas, estradas, portos. Parte desses investimentos depende do maior ou menor otimismo dos empresários, que decidem quanto vão gastar na expansão de seus negócios baseados nas suas próprias previsões sobre a economia.

Outra parte, no entanto, depende direta ou indiretamente do governo. Esse é o caso, principalmente, do setor de infra-estrutura, no qual o governo atua direta ou indiretamente, estabelecendo regras e fiscalizando as empresas de setores como transporte e eletricidade.

Justamente por isso, governo e empresas se envolvem em discussões intermináveis sobre as regras para o setor de energia, de telefonia, de transportes. Discussões que às vezes parecem estranhas para a maioria dos brasileiros, mas que poderiam ser resumidas da seguinte maneira: como o governo brasileiro pode defender o interesse de consumidores e, ao mesmo tempo, dar garantias para as empresas de forma que elas invistam no país?

Resolvido o problema do investimento, o governo precisa também assegurar-se de que nenhum "meteoro" externo destrua os planos de crescimento para os próximos anos. Governo e empresas brasileiras têm dívidas externas. Ambos têm de pagar juros e parte dessa dívida todos os anos. Empresas também têm de enviar lucros para o exterior, pagar por serviços prestados por outras empresas.

A melhor forma de captar os dólares para honrar esses compromissos é exportar mais que importar, gerando superávits comerciais e aumentando as reservas em dólares do país. Com reservas suficientes e exportações altas, os investidores não terão motivos para desconfiar que o Brasil não terá recursos para honrar suas dívidas. Conquistada essa confiança, afasta-se o risco de crise no câmbio.

O país deve ter um superávit robusto em 2004, algo em torno de US$ 20 bilhões, na previsão de analistas. Resta garantir que ele se repetirá ou aumentará nos próximos anos. Como? Investindo mais, tornando as empresas locais mais competitivas e ganhando novos mercados.

Trabalhos de Hércules, no papel, parecem mais fáceis. Não bastasse garantir a estabilidade dos indicadores financeiros, os investimentos e o equilíbrio externo, o governo tem de lidar com problemas que, ainda que indiretamente, afetam a economia.

A carga tributária, por exemplo: o tamanho do buraco que os impostos causam nos bolsos e orçamentos brasileiros é outro fator que inibe ou facilita o crescimento. A produtividade dos trabalhadores só pode crescer de forma sustentável se o sistema educacional os capacitar para trabalhar numa economia cada vez mais complexa. Para trabalhar é preciso estar saudável, e seria bom ter um sistema de saúde pública eficiente.

No fim, a taxa de juros parece explicar pouco, já que quase tudo contribui para que o país cresça mais ou menos. De fato, se no curto prazo pagar juros mais baixos nos ajuda a correr um pouco mais rápido, no longo prazo as condições gerais da economia precisarão estar em ordem. Nada para nos deixar loucos. Crescendo um pouco, é de esperar que sobre um pouco de dinheiro para que o Brasil comece a pensar menos nos juros e na taxa de câmbio e mais em coisas importantes, como a educação e a saúde da sociedade brasileira.

Marcelo Billi, 28, economista, é repórter do caderno Dinheiro. Nasceu em 1975, ano em que a economia brasileira cresceu 5%.

     

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