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27/01/2004 - 03h04

Universidade sem fronteiras

SILVIA BITTENCOURT
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Heidelberg (Alemanha)

O s primeiros semestres são cursados em Paris, e os seguintes, em Helsinque; o bacharelado é concluído em Estrasburgo, mas o mestrado, em Londres. É uma espécie de "universidade sem fronteiras" o que especialistas de mais de 40 países europeus projetam para a próxima década, com o objetivo de uniformizar o ensino superior do continente e, dessa forma, dar maior mobilidade a estudantes e jovens pesquisadores.

No final de 2003, ministros da Educação de dezenas de países europeus reuniram-se em Berlim para avançar nesse projeto, que tem sua origem na cidade italiana de Bolonha, onde foi lançado em 1999. Conhecido como Processo de Bolonha, o projeto deve começar a funcionar em 2010, com a criação de um "espaço universitário europeu".

Na capital alemã, os ministros assinaram o Comunicado de Berlim, comprometendo-se a padronizar, até 2005, seus cursos de graduação segundo o modelo anglo-saxão, que prevê dois graus distintos para o ensino superior: o bacharelado e o mestrado.

A ampla diferenciação, nos países, da variabilidade de graus de bacharelado e de mestrado é tida como a chave para atrapalhar a mobilidade de estudantes e jovens pesquisadores no continente. No mundo, cerca de 80% dos países adotam o modelo.

Todas as escolas superiores européias também devem instituir um sistema de pontuação comum. Além disso, o projeto prevê um processo de avaliação, que faria parte de um "sistema de garantia de qualidade", e o reconhecimento dos diplomas em todas as universidades envolvidas.

Quando instituído, o "espaço universitário europeu" deverá englobar 4.000 universidades e 12 milhões de estudantes. Entre os mais de 40 países envolvidos estão Rússia, Vaticano, Andorra e os localizados na região dos Bálcãs.

Estudantes não europeus também devem se beneficiar do novo projeto. A União Européia lançará neste ano um programa de bolsas de mestrado para estudantes de fora, permitindo-lhes frequentar três universidades de três países, chamado de Erasmus Mundus.

Representantes da Capes e da Embaixada do Brasil participaram, como observadores, da reunião em Berlim. Segundo o chefe do Departamento Internacional da HRK (Conferência de Reitores da Alemanha), Christian Tauch, ficou claro "o interesse do Brasil e de países latino-americanos em promover ainda mais a vinda de estudantes para a Europa". Uma idéia, por exemplo, é harmonizar o sistema de pontuação por créditos das duas regiões.

Os realizadores acreditam que esse projeto tornará as universidades européias mais atrativas e competitivas. Há anos, a Europa vem perdendo estudantes e pesquisadores para os Estados Unidos, processo conhecido em inglês como "brain drain" (fuga de cérebros). Um relatório da União Européia mostrou que 75% dos estudantes europeus que concluem doutorado nos EUA acabam ficando por lá. Agora, espera-se que iniciativas como a criação do "espaço universitário europeu" e do programa Erasmus Mundus incentivem jovens cientistas europeus e estrangeiros a trabalhar no continente.

Se a idéia da universidade sem fronteiras vem sendo louvada por educadores, ninguém menospreza os obstáculos para a sua realização.

Dos cerca de 15 mil cursos superiores oferecidos na Alemanha, por exemplo, apenas 1.800 funcionam no sistema de bacharelado e mestrado. Diante desses números, tanto estudantes como autoridades concordam que há um longo caminho pela frente.

O principal problema, porém, é o financiamento de um estudo sem fronteiras. Se o projeto facilita o intercâmbio de estudantes e jovens pesquisadores, por outro lado ele bate numa questão social: só quem tem dinheiro deverá tirar vantagens dele.

Essa é a maior crítica dos estudantes. "Enquanto as condições sociais não forem discutidas, não haverá mobilidade", afirma Stefan Bienefeld, presidente da Associação dos Estudantes Europeus, com sede em Bruxelas (Bélgica). Na maioria dos países do Leste Europeu, por exemplo, os jovens não contam com ajuda financeira do Estado.

As autoridades européias acreditam, porém, que o novo sistema de bacharelado e mestrado encurtará a permanência dos alunos na universidade. "Hoje, os alemães estudam por um longo período, e a maioria ainda abandona os cursos. O novo sistema poderá reduzir custos", disse Christian Tauch ao Sinapse. Dessa forma, a verba economizada poderia ser destinada à concessão de bolsas.

     

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