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27/01/2004 - 03h06

Um modelo de luxo

CÍNTIA CARDOSO
enviada especial da Folha de S.Paulo a East Hampton (EUA)

Seja por fatores econômicos ou acadêmicos, a Ross School pode ser considerada um reduto de privilegiados. Plantada em East Hampton, balneário sofisticado a 160 km de Nova York, a escola subverte os currículos tradicionais, aposta em abordagens pedagógicas pouco usuais e oferece atrações que vão do café da manhã à base de produtos orgânicos a uma formação cultural que garante altos índices de aprovação em universidades.

Fotos Divulgação
Alunos em uma das salas de leitura da escola

O ensino da história é a base curricular da Ross School. A partir dessa plataforma, todas as demais disciplinas —matemática, ciências (física, química), biologia e ciência ambiental, inglês, línguas estrangeiras (latim, francês, espanhol e chinês), artes, inglês, mídia e tecnologia— se cruzam. O currículo forma uma espiral em que cada série corresponde a um período da história da humanidade.

O programa do "sixth grade" (que corresponderia à quinta série no Brasil), por exemplo, abrange de uma forma ou de outra, em todas as disciplinas, o período de 1.450 a.C. a 350 a.C. Já o "12th grade", o último ano do ensino médio, usa como contexto a história contemporânea.

Todas as disciplinas usam fatos relacionados aos períodos históricos determinados como pano de fundo para as aulas. O material didático inclui de livros-texto disponíveis no mercado a material preparado pelos próprios professores.

Essa interdisciplinaridade fica visível nos trabalhos de conclusão de curso dos alunos que terminam a "high school" (ensino médio), que vão desde apresentações de dança ou de música até a defesa de monografias sobre psicologia, passando pela criação de documentários. Essa avaliação final é concedida pelo orientador dos alunos, que deve aprovar previamente os projetos, e também por membros da comunidade de East Hampton, convidados a participar da apresentação dos trabalhos.

"Esse formato faz com que os alunos aprofundem seus conhecimentos e mostra para a comunidade o resultado dos anos de aprendizado na escola. Esse conceito partiu da fundadora e é aprimorado a cada dia", afirma Jen Chidsey, diretora de currículo da escola. Nas demais séries, o processo de avaliação é baseado em conceitos. "Performance de destaque", a nota mais alta, "eficiente", a intermediária, e "insatisfatório", a mais baixa.

O projeto da escola nasceu há 12 anos, quando a comerciante de artes Courtney Ross-Holst decidiu se encarregar sozinha da educação de sua filha. A fundadora conta que não queria que a menina fosse educada num "gueto de ricos".

A filha, N.R., hoje uma universitária de 21 anos, estudava em um dos colégios particulares mais caros de Manhattan. Além de conviver apenas com uma parte da sociedade, Courtney achava que a filha recebia uma educação fragmentada e sem ligação com a realidade. Durante a Guerra do Golfo, em 1991, a escola simplesmente não comentava sobre a relevância histórica do fato. Para ela, "essa foi a gota d'água".

Aula de expressão corporal no Centro de Bem-Estar da Ross School
Com a filha e uma colega de classe, ela formou o que viria a se tornar a Ross School, que tem hoje 276 alunos. O projeto era ambicioso. Aos poucos, foi criado um currículo que mesclava lições aprendidas em casa com viagens internacionais. Com o aumento do número de alunos atraídos pela forma exclusiva de ensino, as viagens diminuíram, mas ainda são a principal vitrine da escola.

O preço dessa educação exclusiva é alto. A mensalidade para alunos do ensino médio custa US$ 1.490 (cerca de R$ 4.200) —a mensalidade mais cara em São Paulo, por exemplo, é de R$ 2.240, no St. Francis College, segundo o Sindicato das Escolas Particulares do Estado de São Paulo. Para os alunos do ciclo fundamental, as aulas custam US$ 1.330 (R$ 3.800) por mês. As viagens são pagas à parte. Para o primeiro semestre de 2004, estão previstas viagens à Espanha e à Tailândia. Para evitar que o ambiente seja por demais esnobe, aproximadamente 50% dos alunos da escola recebem bolsas de estudo. Cerca de 40% dos estudantes graduados na escola em 2002 provinham de famílias de baixa renda e, por isso, serão os primeiros de suas famílias a freqüentar uma universidade.

G.D., 17, é uma das estudantes que recebem bolsa. "Não teria a chance de aprender o que aprendo se não estudasse aqui", disse. No ano passado, a estudante foi a Marselha (França) como parte do programa do curso de francês. Em 2004, irá à Tailândia com outros alunos para um curso de fotografia. G.D. é originária da República Dominicana e mora nos Estados Unidos há mais de dez anos. Antes de ingressar na Ross School, há quatro anos, freqüentava um colégio público.

Essas bolsas, no total, custam US$ 85 mil por ano em anuidades para os cofres da escola. Nos últimos anos, Ross-Holst, hoje viúva, investiu sozinha na Ross School mais de US$ 100 milhões.

Todos os candidatos, bolsistas ou não, são submetidos a um processo de admissão criterioso. Estão no rol de exigências: análise do currículo escolar e de atividades extracurriculares, carta de motivação e entrevistas com o candidato à vaga e com sua família.

A diretora de admissões da escola, Stéphanie Flagg, minimiza as dificuldades de acesso. "Escolhemos nossos alunos não apenas com base no desempenho escolar. Procuramos diversidade, interesses variados. Não queremos apenas o melhor aluno de matemática ou estudantes desse ou daquele tipo. Queremos de todos os tipos", afirma. Por ano, diz a diretora, a Ross School recebe mais de mil pedidos de formulários de inscrição.

Hoje, apenas residentes de East Hampton e arredores são admitidos. "Mas isso deve mudar em breve. Estamos desenvolvendo programas de intercâmbio para que estudantes de outros Estados e de outros países possam morar com famílias locais enquanto estiverem na escola", disse Flagg.

Todas as ferramentas educacionais usadas visam "formar alunos que interajam com a sociedade, e não uma massa para linhas de montagem", segundo Jen Chidsey, diretora de currículo da escola. "Já passamos a Revolução Industrial. Não podemos mais ter a mentalidade de que estamos apenas forjando mão-de-obra. Os estudantes de hoje precisam ter uma visão ampla do mundo e precisam compreender como os fatos se relacionam."

O primeiro passo para tirar da escola o ranço de "manufatura de trabalhadores" começa na própria arquitetura dos prédios. No meio de um bosque em East Hampton, as construções mais lembram chalés. No interior dos prédios, os alunos circulam com pantufas por ambientes repletos de reproduções de obras de arte.

As salas de aula se assemelham à sala de estar de uma casa: há sofás, poltronas, estantes com livros —a biblioteca é descentralizada e se expande por salas e corredores da escola. As mesas escolares foram substituídas por mesas redondas com quatro cadeiras ao redor de cada uma. Da sala de aula tradicional, só resta o quadro-negro.

O ritual de início das aulas também é pouco usual. Às 8h, a primeira tarefa dos alunos é tomar café da manhã à base de produtos orgânicos. Frituras e alimentos gordurosos estão fora do cardápio da escola. Depois, atividades físicas. Só então as aulas começam.

O que pode parecer mera trivialidade é, para os educadores da Ross School, a peça-chave para o aprendizado eficiente. "Parece óbvio e até banal, mas uma boa alimentação é essencial para o bem-estar dos alunos. Um ambiente acolhedor também. Se os alunos se sentirem confortáveis na escola, terão mais prazer em estudar, mais prazer em aprender", afirma a porta-voz da escola, Mary Ann McCaffrey.

Para convencer quem se mostra refratário ao sistema da Ross School, a direção da escola apresenta o desempenho acadêmico dos alunos como prova de sucesso. Em 2002, a Ross School teve uma taxa de aprovação em universidades superior a 90%. Boa parte desses ex-alunos está matriculada em instituições como as universidades de Oxford (Inglaterra), de Nova York e da Califórnia.

Essa combinação de formação cultural abrangente com índices de aprovação elevados atraiu a atenção dos pais do estudante brasileiro Lorenzo Azevedo, 10. Este é o primeiro ano em que ele cursa a Ross School, cujas aulas começaram em setembro. "Já percebemos o quanto Lorenzo está motivado com a nova escola. A mudança foi muito positiva", diz a administradora de empresas Maira Pessano, 43, que mora há 13 anos nos Estados Unidos.

O pai do aluno concorda. "No início, tive receio de que essa fosse uma escola muito moderna, com muito destaque para artes e pouca base no ensino tradicional. Mas vi que eles têm disciplina, e os resultados de admissão nas universidades são muito animadores", argumentou o arquiteto paisagista Frederico Azevedo, 41.

A escola, que nasceu com uma dupla de meninas, só recebeu meninos na "middle school" (ensino fundamental) no ano passado. Algumas alunas ainda estranham a companhia dos meninos, mas, na avaliação dos professores da escola, a mistura de sexos é positiva. "A diversidade é fundamental neste nosso século", disse Mary Ann McCaffrey.

     

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