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17/02/2004 - 02h52

Caminho das Pedras: Em busca da vanguarda

FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

Há quase um século, em 1907, o jovem pintor espanhol Pablo Ruiz y Picasso, então com 26 anos, apresentava a seus amigos, em Paris, sua pintura mais recente, intitulada "Les Demoiselles d'Avignon". Segundo seu marchand na época, Daniel Henry Kahnweiler, a todos eles a obra parecia "uma coisa louca ou monstruosa".

Reprodução
O pintor espanhol Pablo Picasso

Pois foi com essa obra que Picasso revolucionou a forma de pintar, inaugurando o cubismo, um movimento que levou ao extremo o efeito dinâmico da pintura, pois conseguiu criar um aspecto tridimensional em uma tela bidimensional, além de conter tema polêmico: cinco prostitutas da rua Avignon, em Barcelona, cidade na qual Picasso viveu entre 1895 e 1900.

A obra, que inaugurou uma nova fase na história da arte, ficou cerca de dez anos sem ser exibida publicamente, mas caiu como uma bomba no círculo de artistas da capital francesa e, graças a esse ambiente fervilhante, ela não pode ser considerada um trabalho isolado.

Picasso vivia de forma definitiva em Paris, desde 1904, modestamente, junto com Fernande Olivier, sua primeira mulher. O artista era financiado pela escritora Gertrude Stein e por seu irmão Leo, colecionadores de arte e figuras centrais da intelectualidade de Paris no início do século. Foi ela, aliás, quem apresentou Picasso a Henri Matisse (1869-1954), em 1906, pintor com quem Picasso rivalizaria grande parte de sua vida.

Pois a amizade com Matisse tem, em parte, grande influência sobre a pioneira tela cubista de Picasso, já que ambos disputavam, de forma amigável e muito próxima, a quem cabia o papel de artista da vanguarda parisiense, o que permitia a ambos exercer a liberdade de pintar como regra.

Outra inspiração para "Les Demoiselles d'Avignon" foi a arte africana, que exercia grande fascínio na elite francesa no começo do século. Vários artistas, como o próprio Matisse, colecionavam objetos africanos, e especialistas em Picasso afirmam que uma visita do artista ao Museu de Etnologia de Paris, em 1907, deixou marcas no artista, especialmente as máscaras, que teriam servido de modelo para os rostos das prostitutas na tela.

Fundamental também foi a parceria entre Picasso e o pintor Georges Braque (1882-1963), que de imediato admirou a nova obra e passou a realizar pinturas em um estilo muito próximo. Mais tarde, juntos, ambos dariam uma guinada no próprio cubismo, deixando a abordagem narrativa inicial, como a imagem das prostitutas, rumo a uma preocupação mais icônica, ou seja, falando mais da própria representação, o que passou a ser denominado de cubismo sintético. Assim, cada vez mais a pintura abandonava o realismo, abrindo caminho para o abstracionismo, que surgiria logo depois.

Entretanto, Picasso (1881-1973) foi muito além do cubismo. Pintor, desenhista, ceramista, gravurista, escultor, cenógrafo, figurinista, escritor e dramaturgo, o artista passou por diversos movimentos com uma grande variedade de estilos e, com sua obsessão criativa, chegou a realizar mais de 30 mil trabalhos.

"Guernica" é considerada uma de suas mais importantes obras e uma espécie de síntese de suas idéias. O imenso painel (349 cm x 776 cm) foi uma encomenda do governo republicano espanhol para representar o país na Exposição Universal de Paris, quando a Espanha vivia a Guerra Civil. Logo após o convite, no início de 1937, a pequena cidade basca de Guernica foi bombardeada pelos alemães aliados do general Franco, tornando-se o tema da mais contundente obra de arte contra a guerra.

Na pintura, misturam-se diversas fases e temas do artista, que vão além da própria guerra. Em 1954, por ocasião das comemorações do quarto centenário de São Paulo, a 2ª Bienal de São Paulo recebeu "Guernica" com autorização do próprio Picasso.

Graças a sua diversidade e a seu espírito de vanguarda, Picasso é considerado o mais importante artista do século 20. Um espírito inquieto, que nunca se manteve preso às convenções e que, felizmente, costuma visitar São Paulo com freqüência, como agora, no parque Ibirapuera.

Fabio Cypriano, 37, é repórter da Ilustrada e doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP.

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