Folha Online sinapse  
17/02/2004 - 03h34

Nada de cárie

ANTONIO ARRUDA
free-lance para a Folha de S.Paulo

Um gel que remove cáries não é novidade: em 1999, chegou ao Brasil um produto de patente sueca com a mesma função. Mas uma pesquisadora acaba de apresentar uma proposta para reduzir seu custo para pouco mais de 10% do valor original: utilizar como matéria-prima para o gel a papaína, substância retirada da casca do mamão, para substituir o produto importado.

Sandra Kalil Bussadori, doutora em odontopediatria pela USP, pesquisou durante três anos a ação dessa substância na eliminação de cáries. O estudo, realizado com apoio da FMU-SP e da Universidade Metropolitana de Santos, onde dá aulas, foi apresentado no 22º Congresso Internacional de Odontologia, que aconteceu no final de janeiro em São Paulo. Com a divulgação dos resultados do trabalho, a pesquisadora lançou o Papacárie, um gel —desenvolvido em parceria com a farmacêutica e bioquímica Márcia Miziara, do laboratório Fórmula e Ação— que acaba de receber liberação do Ministério da Saúde para ser comercializado no país.

O gel pode remover uma cárie em cerca de 40 segundos, sem anestesia ou utilização de "motorzinho". Ele pode ser usado em cáries de qualquer tipo, desde que estejam em uma região acessível. O tubo do produto importado (comercializado até 2002 pela Oraltech), que pode tratar 60 cáries, custava R$ 200. Com o gel à base de papaína, o mesmo tubo sai por R$ 30.

Ou seja, o que o Papacárie tem de novo é utilizar matéria-prima nacional e de preço mais baixo. A idéia surgiu de uma conversa para lá de informal, quando a mãe de Sandra, nutricionista, comentou que a papaína era utilizada para amaciar carne. "Já sabia do uso da papaína na cicatrização de feridas, até de queimaduras, daí comecei a pesquisar", diz.

Depois de estudos em laboratório, o gel foi testado em 60 dentes de crianças de cinco a nove anos e em 30 molares de adolescentes e adultos de até 23 anos. Os pacientes tiveram acompanhamento clínico durante um ano.

De acordo com a pesquisadora, até as cáries mais profundas podem ser removidas; a utilização do Papacárie é ineficaz somente quando a cárie está "escondida". Isso porque o gel decompõe a cárie, e o resíduo tem de ser raspado com um instrumento. "Há locais onde é impossível raspar", explica Sandra, que já utiliza o gel no seu consultório e em ambulatórios de universidades e entidades que prestam atendimento gratuito à população.

Além de reduzir o desconforto do paciente e de encurtar a consulta, o gel tem no seu baixo preço um dos principais benefícios. Há o custo e o processo de restauração do dente, segundo Sandra, "mas a facilidade que o gel oferece na eliminação das cáries já permite seu uso em comunidades de baixa renda", um dos objetivos da pesquisadora.

No ano passado, a cirurgiã-dentista Lara Mattos, aluna de Sandra, participou como voluntária do Projeto Amazonas, da ONG Missão Paz. De São Paulo, ela foi a Barreiras e Monte Cristo, dois vilarejos ribeirinhos do rio Amazonas. Das 182 pessoas a que ela atendeu em 12 dias, cerca de 70% tiveram suas cáries removidas com o gel à base de papaína. "O gel agiliza o processo, além de ser seguro", diz.

O Papacárie também está sendo utilizado em projetos da Caravana do Sorriso, entidade fundada em 1999 por Sandra Bussadori.

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