Folha Online sinapse  
30/03/2004 - 02h58

Perfil: O defensor das baleias

DANTE GRECCO
free-lance para a Folha de S. Paulo

Foi de tirar o fôlego, inesquecível. Mas perigosíssimo, e quase não sobrou ninguém para contar a história. Numa manhã de fevereiro de 1999, o oceanógrafo Alexandre Novaes Zerbini, 33, ao lado de dois pesquisadores e dois mergulhadores da Marinha brasileira, estava a bordo de um bote inflável nas águas geladas da Antártida tentando se avizinhar de três baleias jubarte. O objetivo era chegar o mais próximo possível dos animais, fotografá-los e coletar material para análise.

Arquivo Pessoal
O oceanógrafo Alexandre Novaes Zerbini
Apesar do frio de cerca de 5oC, tudo corria bem. Até que os cientistas perceberam, perto dali, um grupo de 15 orcas que rodeavam as jubartes com a intenção de caçá-las.

O nível de tensão a bordo do bote subiu quando algumas orcas começaram a se deslocar na direção dos brasileiros —esses animais são reconhecidos como vorazes predadores marinhos. "De repente, uma delas se desgarrou e chegou bem perto de nós. Ela veio pela popa e subiu para respirar ali mesmo, pregando o maior susto em todos", lembra o pesquisador.

Foram três vezes. Por sorte, a orca decidiu recuar e retornou ao grupo. "Foi emocionante e, ao mesmo tempo, assustador", conta o oceanógrafo. Talvez, naquela manhã, as orcas não estivessem com muito apetite, pois desistiram também de atacar as jubartes. Apesar do susto, os pesquisadores terminaram o trabalho sem serem importunados.

A profissão de Zerbini leva-o sempre para o mar, o seu verdadeiro laboratório. O cientista paulistano coleciona participações em 16 cruzeiros científicos. "Somando todos, já passei mais de 300 dias da minha vida dentro de um barco fazendo pesquisa", diz. "Num dos cruzeiros pelo Alasca, vi uma baleia fin de uns 25 metros de comprimento. Foi a maior que observei em todos os cruzeiros de que participei. Ela devia pesar umas 120 toneladas. Mesmo assim, era muito veloz."

Raio-X

Nome: Alexandre Novaes Zerbini
Idade: 33
Família: casado
Formação: graduado em oceanografia pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, mestrado no Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP e doutorando no Departamento de Ciências Aquáticas e Pesqueiras da Universidade de Washington, em Seattle (EUA)
Profissão: pesquisador
Artigos publicados: 20
Hobby: futebol


Zerbini fala de seu trabalho sempre com entusiasmo. Talvez com a mesma emoção com que começou, ainda criança, sua relação com o mar. Nascido num bairro da zona oeste de São Paulo, ele, aos sete anos, adorava ler livros sobre peixes, tubarões, golfinhos e baleias e, na TV, não perdia os documentários do biólogo francês Jacques Cousteau. Nas férias e nos fins de semana, seu programa preferido era ir a São Sebastião, no litoral norte do Estado. Lá, gostava de acompanhar a chegada dos pescadores em suas traineiras.

"Eu ficava olhando os peixes, curioso sobre as diferentes espécies e tamanhos. De vez em quando, aparecia algum golfinho, preso acidentalmente na rede. Aquilo despertou em mim a atenção ao problema da preservação ambiental", revela.

Aprender mais sobre a vida nos oceanos era uma questão de tempo. Zerbini fez o curso de oceanografia na Furg (Fundação Universidade Federal do Rio Grande). Para sorte da ciência, ele não seguiu os passos do pai, Maury Luiz Salles Zerbini, campeão paulista, brasileiro e sul-americano de tênis na década de 50. "Sou a ovelha negra da família. Nenhum de meus três irmãos quis ser cientista", diz. O mestrado foi feito na USP, onde conheceu a bióloga Georgeana Meserani, com quem se casou há cinco anos.

Enrico Marone

Desde 1999, porém, ele trocou o litoral brasileiro pelas águas mais frias do hemisfério Norte. No início com uma bolsa do CNP(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Zerbini partiu para o doutorado no Departamento de Ciências Aquáticas e Pesqueiras da Universidade de Washington, em Seattle (EUA).

O término da bolsa brasileira trouxe a Zerbini a oportunidade de aplicar mais rapidamente os resultados de seu trabalho de pesquisador: ele foi contratado pelo Laboratório Nacional de Mamíferos Marinhos da Noaa (National Oceanic and Atmosferic Administration), órgão norte-americano que trata da pesquisa e da conservação de recursos naturais marinhos no litoral dos EUA. "A Noaa é como se fosse o Ibama dos EUA, mas só do mar", compara.

Na Noaa, Zerbini usa métodos estatísticos para determinar o tamanho da população das baleias das espécies orca, jubarte, fin e minke numa antiga área de caça no litoral do Alasca e na região das Ilhas Aleutianas. "Esse estudo irá mostrar, pela primeira vez, quantos animais de cada espécie vivem na área e como essas diferentes espécies compartilham um mesmo habitat."

No fim de seu doutorado, em 2005, todas essas informações serão reunidas e publicadas na tese. Para Zerbini, "entender melhor o comportamento e a ecologia das baleias da região pode ajudar os cientistas a buscar melhores formas para preservar as espécies, que já foram muito ameaçadas".

Quando não está nos laboratórios da Noaa ou a bordo de algum navio, Zerbini aproveita a folga para fazer jus à fama dos brasileiros no exterior: é hora de bater uma bolinha. A maioria dos jogadores de seu time é formada por colegas da universidade, e aí está a explicação para a escolha do nome da equipe: Dorsal Fins United (nadadeiras dorsais unidas). "Disputamos a terceira divisão da liga amadora da região metropolitana de Seattle. Como aqui nos EUA as mulheres também gostam de jogar futebol e o fazem muito bem, os times são mistos. Na linha, são cinco mulheres e cinco homens. O goleiro pode ser homem ou mulher. O do nosso time é homem", explica.

Zerbini é reconhecido como um profissional sério, disciplinado e perfeccionista. Em 1998, o jovem oceanógrafo ganhou o Prêmio Robin, oferecido pela Society for Marine Mammalogy para o melhor trabalho de pesquisa apresentado nas reuniões da Sociedade Latino-Americana para os Mamíferos Aquáticos. Zerbini também já tem 20 artigos publicados em revistas acadêmicas da área, entre as quais "Report of the International Whaling Commission", "Journal of Cetacean Research and Management" e "Latin American Journal of Aquatic Mammals".

Nos artigos, segundo Zerbini, há "informações preciosas, que podem provocar mudanças nas organizações responsáveis pela gerência dos recursos do mar, principalmente em relação aos cetáceos [grupo que reúne baleias e golfinhos]".

E cuidar dos recursos do mar, como ele mesmo admite, é uma de suas preocupações constantes. Pelo seu envolvimento no estudo e na preservação das baleias, Zerbini tem participado, desde 2000, das reuniões do comitê científico da CIB (Comissão Internacional Baleeira). Anualmente, os 52 países-membros da entidade reúnem-se para definir o manejo da caça e a conservação das baleias no planeta. Neste ano, a reunião será em Sorrento, na Itália, em junho, e Zerbini estará lá.

"Em 2001, fui apontado pelo coordenador do comitê científico como responsável pelo grupo que avalia os santuários de preservação de baleias, regiões onde elas não podem ser caçadas. Hoje, existem dois santuários: um no oceano Índico e outro na região da Antártida. É um cargo de grande responsabilidade —não só pela batalha na preservação das baleias como também pelo fato de que, pela primeira vez, um brasileiro lidera um dos grupos de discussão dentro da CIB", afirma.

Mesmo de longe, Zerbini mantém-se ligado a vários projetos de pesquisa no Brasil. O principal deles é o de monitoramento de jubartes por satélite. Iniciado em 2001, o estudo acompanha as rotas migratórias dos animais —um dos objetivos é saber como eles se deslocam pelo planeta. Ele coordena a equipe de 12 pesquisadores, entre brasileiros, norte-americanos e dinamarqueses.

"Esse estudo pretende mostrar que, hoje, se todas as baleias jubarte que passam pelo Brasil vão para a Geórgia do Sul, isso significa que essa população foi uma das mais ameaçadas de extinção", explica. A boa notícia é que, nos últimos anos, tem-se registrado um aumento do número de baleias na costa brasileira, sinal de que, aos poucos, a população começa a se recuperar.

Todo esse conhecimento torna-o ainda mais combativo em defesa das baleias, animais que, durante muito tempo, foram caçados —até que várias espécies quase chegaram à extinção. Apesar de a caça ser proibida desde 1986, há países —como o Japão e a Noruega— que conseguiram uma licença para praticar o que é conhecido por caça científica, ou seja, uma caça monitorada pela comissão. "No entanto, isso também é uma desculpa para manter a caça", afirma o pesquisador.

Anualmente, nas reuniões da CIB, a briga fica entre os interessados em liberar a caça e os que querem manter a atividade sob controle. "Lutar pela preservação das baleias não implica necessariamente a proibição de toda e qualquer caça. Os povos aborígines do Ártico, por exemplo, caçam para sobreviver. Eles fazem isso há milênios. Temos de garantir que a captura de alguns indivíduos não ameace as populações, como aconteceu no passado", defende.

     

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