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27/04/2004 - 03h06

Verbete: 15 é bom. 25 é demais?

MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

Em 1º de maio, a União Européia ganhará dez novos membros, a maioria do Leste Europeu, chegando a 25 países. Trata-se de uma das últimas etapas da concretização dos ideais dos franceses Jean Monnet e Robert Schuman e do chanceler (premiê) alemão Konrad Adenauer (1949-63).

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Para eles, uma Europa unida, inicialmente, por fortes interesses econômicos e, em seguida, por estreitos laços políticos não seria palco de outros conflitos sangrentos, como as duas guerras mundiais —nos moldes do Projeto da Paz Perpétua, do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804).

A semente da construção européia foi plantada em 1951, quando, com o Tratado de Paris, foi criada a Ceca (Comunidade Européia do Carvão e do Aço), proposta pelo então chanceler francês, Schuman, em 1950, que reunia a Alemanha, a França, a Itália, a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo. O mercado comum do carvão e do aço —estabelecido pela Ceca— tinha como principais objetivos contribuir para a expansão econômica, o desenvolvimento do emprego e a melhora do nível de vida de seus países-membros.

Aos poucos, antigos inimigos perceberam que, de fato, tinham mais a ganhar se buscassem harmonizar seus objetivos. Assim, em 1952, foi instituída a Comunidade Européia da Defesa, que contava com os mesmos países que a Ceca. Meia década depois, o Tratado de Roma deu origem à CEE (Comunidade Econômica Européia), o embrião da UE atual, ainda com os mesmos seis fundadores.

Gradualmente, ela foi se consolidando e crescendo. A Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido aderiram à CEE em 1973, seguidos pela Grécia, em 1981. Cinco anos mais tarde, foi a vez da Espanha e de Portugal. Finalmente, em 1995, a Áustria, a Finlândia e a Suécia foram admitidas no bloco, que, desde 1993, já se chamava UE.

Vale lembrar que não se tratou de uma simples troca de denominação, mas de um longo processo de aperfeiçoamento da integração européia. Com a expansão adiantada, o aprofundamento tornou-se o maior desafio do bloco. E, mais uma vez, o motor franco-alemão foi crucial, já que, sem a perseverança do presidente François Mitterrand (1981-95) e do ex- chanceler (ex-premiê) Helmut Kohl (1982-98), a idéia poderia ter-se esvaído.

Ambos foram responsáveis pelos dois grandes impulsos que tornaram o bloco o que é hoje: o Ato Único Europeu (1986), que previa a realização do grande mercado único em 1º de fevereiro de 1993, e o Tratado de Maastricht, que abriu caminho para a introdução da moeda única e ampliou o campo de ação das instituições comuns, como a Comissão Européia (Executivo da UE).

O euro entrou em vigor em 1º de janeiro de 2002, substituindo moedas nacionais em 12 dos 15 países do bloco (o Reino Unido, por escolha governamental, a Dinamarca e a Suécia, ambas por escolha popular, ficaram fora da "zona do euro").

Mas a adesão da Polônia, da Hungria, da República Tcheca, da Eslováquia, da Eslovênia, da Lituânia, da Letônia, da Estônia e de duas ilhas do mar Mediterrâneo, Malta e Chipre, acarretará desafios econômicos vultosos. Os novos países, aliás, não poderão entrar na chamada "zona do euro" tão cedo.

Como definiu o diário francês "Le Monde" em 2002, os novos Estados-membros "são dez, são pobres e possuem uma grande população rural". Exceto Chipre, Malta e Eslovênia, relativamente ricos e com pequena população rural, os outros países terão o direito de receber mais fundos da UE do que darão a ela.

Assim, o primeiro grande desafio econômico diz respeito à PAC (Política Agrícola Comum). Os poloneses, por exemplo, deveriam ter direito aos níveis de subvenção dos espanhóis. Mas a população agrícola da Polônia é imensa, o que constitui mais um motivo para que a PAC seja reformada.

Além disso, os fundos estruturais europeus —cujo objetivo é diminuir a defasagem entre os membros mais abastados e os menos desenvolvidos— também deverão ser adaptados à nova realidade, pois a Alemanha, a maior financiadora da UE, não quer mais despender tanto. Afinal, tem de pensar nos problemas domésticos.

Outro problema da expansão é a reforma do sistema de votação nas instituições européias. Na Cúpula de Nice, em 2000, países médios, como a Espanha e a Polônia, ganharam um peso muito grande, o que hoje desagrada aos grandes Estados, como a Alemanha e a França. Assim, o motor franco-alemão propõe um sistema de maioria dupla: de votos e de população, o que, por ora, não é aceito por Madri nem por Varsóvia.

Finalmente, outro grande desafio da UE, cuja população é de 455 milhões de pessoas e cujo PIB (em paridade de poder de compra) de US$ 10,8 trilhões é superior ao da maior potência global —os EUA—, é ter uma só voz. A crise diplomática que precedeu a Guerra do Iraque, em 2003, evidenciou divisões bastante deletérias à coesão do bloco. Sem que ao menos os três grandes —a Alemanha, a França e o Reino Unido— encontrem uma posição de consenso, o bloco jamais se tornará um verdadeiro ator na cena internacional. As negociações sobre a Constituição européia serão, portanto, só o primeiro desafio.

Márcio Senne de Moraes, 34, mestre em ciência política com especialização em relações internacionais pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, é redator e analista do caderno Mundo.

     

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