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27/04/2004 - 03h10

Gilberto Dimenstein: A rebeldia da adolescente Rosely

GILBERTO DIMENSTEIN
colunista da Folha de S.Paulo

A adolescente Rosely Sayão resolveu estudar psicologia por um motivo inconfessável. Como não pretendia arrumar marido para sair de casa e não suportava mais os limites familiares, escolheu um faculdade que não existisse em Piracicaba (SP), cidade em que morava. Mudou-se para Campinas, com o pretexto acadêmico. "Não era uma aluna fácil" diz Rosely, hoje colunista da Folha de S.Paulo, que chegou a repetir o ano —uma tragédia em seu rígido ambiente familiar.


Essa visão marginal, combinada com sua formação acadêmica, levou-a a trabalhar como psicóloga educacional, ajudando escolas a repensar as relações entre pais, alunos e professores.

Na biografia da psicóloga educacional, a mistura da rebeldia na adolescência com o fato de ser uma aluna nem sempre aplicada fez com que, no ano passado, entrasse numa experiência em uma escola pública —aliás, uma das mais transgressoras experiências da rede pública de São Paulo. "Não é só uma escola, mas um laboratório."

Rosely foi chamada para assessorar a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, onde salas de aula foram destruídas e substituídas por salões multidisciplinares. O papel do professor é, em essência, orientar pesquisas. Os alunos foram divididos em pequenos grupos e agora circulam em diferentes espaços. O currículo integra atividades como capoeira, educação ambiental e jogos cooperativos, que viraram eixo para as demais matérias, como língua portuguesa, geografia e história.

Ao romper a modorra numa escola pública, em que as modificações pedagógicas são, em geral, mais complexas e demoradas, aquela —a Amorim Lima— se tornou um campo de testes para influenciar os educadores da rede oficial. "O importante é que, além de a escola ter uma direção empenhada, os pais são os principais defensores das inovações."

Já são visíveis os primeiros resultados. Os alunos demonstram mais interesse e facilidade de aprendizado —afinal, estudam a partir de provocações do cotidiano. "Vemos o suposto mau aluno com interesse. Ele é um desafio, e não um problema."

Possivelmente, era como a rebelde adolescente Rosely gostaria de ter sido vista.

Gilberto Dimenstein, 46, é jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo.
E-mail: gdimen@uol.com.br

     

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