Folha Online sinapse  
25/05/2004 - 02h58

Gilson Schwartz: Inquilinos do Giannotti

Gilson Schwartz
colunista da Folha de S.Paulo

Foram longas noitadas, predominavam não só os temas filosóficos e literários mas também a crônica sempre mordaz sobre a história do mundo. Numa estante, algumas sobras filosóficas, livros encadernados à antiga que surrupiávamos. Corriam os anos 80 e éramos inquilinos, o Luiz Paulo mais eu de carona, do sobradão na rua Topázio, onde antes habitara a família Giannotti.

Mas que tipo de filosofia seríamos capazes de produzir, entre chás e eventuais regimes macrobióticos, passeatas e grupos de estudo na USP? Afinal, filosofia é coisa de alemão e, de preferência, velho. O Labriola, no entanto, insistia nos seus mergulhos. Meu grande e melhor amigo emergia de uma rara alquimia pedagógica paulistana: passara pelos bancos do Santa Cruz, mas também foi testemunha ocular das coisas do Equipe para terminar, meio desterrado, onde afinal nos encontramos, no Bandeirantes.

Único ator do meu curta-metragem filmado em Super 8, chegamos a rolar, literalmente, pelo chão, de tanto rir, numa tarde longínqua, navegando entre as prateleiras do sebo do Olyntho, na rua São Bento.

Hoje, lembrando essa trajetória, fica evidente que ele só podia desembocar mesmo na filosofia da educação. Rigoroso, persistente, sistemático e cético, o Labriola no entanto faria as suas incursões filosóficas apenas depois de vivenciar por mais de 20 anos o ambiente de outras tantas escolas, sem falar nas muitas casas da pequena burguesia paulistana que o meu caro "Luigi" visitou como tutor.

Nos últimos anos, depois de exercitarmos nossas habilidades redigindo editoriais, fomos colegas aqui mesmo, no Sinapse. Na Cidade do Conhecimento, estivemos lado a lado com Yudith Rosenbaum, a madrinha pedagógica do colégio Oswald de Andrade-Caravelas, o mesmo onde Labriola afinal viria a assumir, no final do ano passado, a função de coordenador pedagógico. Passamos umas boas horas debatendo, em 2001, o "futuro das profissões", no auditório da Faculdade de Educação da USP.

Nossa última conversa, antes que as dores impedissem até mesmo a troca de olhares, foi sobre o seu projeto de estudo comparado entre Ivan Ilitch e Alexander S. Neill. No horizonte, as possibilidades de uma nova escola, em contraponto a um projeto de sociedade sem escolas. Teremos que trilhar esse caminho e repescar essas referências, inquilinos da nossa memória numa cidade agora sem o Labriola.

P.S.: Luiz Paulo Labriola teve formação em filosofia e letras pela Universidade de São Paulo e foi professor de filosofia e português na rede particular de ensino de 1978 a 1998, participando de projetos de formação docente na área de cidadania e direitos humanos nas redes públicas de São Paulo e Itatiba. Foi editorialista da Folha de S.Paulo de 1995 a 1998 e pós-graduando em filosofia da educação pela USP. A edição de junho da "Revista de Educação Ceap" trará o seu último texto, "Ensinar filosofia ou ensinar filosoficamente?", em www.ceap.org.br. Meu amigo morreu, vítima de um câncer, no dia 10 de maio.

Gilson Schwartz, 44, é diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento da USP (www.cidade.usp.br).
E-mail: schwartz@usp.br


Textos de Luiz Paulo Labriola publicados no Sinapse
  • Vocacional: por que os bons tempos não voltam?
  • Avaliação: o desafio é político
  • E o futuro da escola pública?

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