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29/06/2004 - 02h54

Turismo profissional

Rômulo Neves
enviado especial a Itacaré (BA)

Está quase aberta a temporada de caça: aos turistas. Em Itacaré, paradisíaca cidade de 18 mil habitantes no sul da Bahia, faltaram braços no setor de serviços para dar conta dos "estrangeiros" que povoaram os balneários da região nas últimas férias. Agora, em julho, parte dos postos de trabalho que surgem toda estação deverão ser preenchidos pela população local, segundo empresários da região.

Cris Bierrenbach/Folha Imagem
Curso de culinária realizado em carreta-escola em Itacaré

Por um ano, até março, uma carreta-escola do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) da Bahia esteve na cidade para capacitar 550 jovens para as vagas oferecidas por mais de 80 estabelecimentos, entre hotéis, pousadas e restaurantes. Antes, sem o treinamento, a maioria deles tinha como perspectiva apenas integrar-se à indústria pesqueira.

Ana Lúcia de Oliveira, 20, e Jitiara dos Santos, 23, fizeram alguns dos cursos de culinária da carreta do Senac. Logo após terem recebido o certificado, começaram a trabalhar em um dos restaurantes mais badalados de Itacaré. Jitiara cozinha desde os 12 anos em casa, mas nunca tinha pensado em transformar essa habilidade numa profissão promissora. "Cozinhava por instinto", diz ela, que agora faz do instinto sua atividade profissional. Ana Lúcia, que antes estava na escola, terminando o ensino médio, aprendeu a cozinhar durante o curso. "Aprendi depois de adulta, mas me apaixonei."

Desde 1998, o Senac investe em parcerias locais para levar seus programas de capacitação profissional a regiões que ainda não têm demanda que justifique a instalação de uma sede, mas que já apresentam necessidade de qualificação da mão-de-obra. É o projeto SenacMóvel. O programa, que conta sempre com parcerias com associações, prefeituras e empresas, que cedem espaço ou parte da infra-estrutura, já atendeu cerca de 60 mil alunos em todo o país.

As grandes estrelas do programa são as carretas-escola, que reproduzem os ambientes de trabalho das áreas atendidas: saúde, informática e hotelaria e turismo. As adaptações incluem cozinha industrial, camas hospitalares e computadores. Na região da bacia amazônica, a carreta foi transformada em uma balsa-escola. Em 2003, duas carretas foram doadas para Angola e Moçambique.

O custo das formações é, em geral, baixo. Em Itacaré, cada aluno pagou em média R$ 20 por curso, com duração de duas semanas, incluindo o material didático. A Abih (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) local financiou grande parte das despesas.

Ernani Petinatti, diretor regional da entidade e proprietário de um restaurante e de uma pousada no balneário baiano, acredita que as capacitações trazem bons resultados: "Antes, alguns não conheciam, por exemplo, regras básicas de saneamento. Um pouco de informação já causa um grande efeito", diz.

Mas o programa não é unanimidade. Segundo Daniel Karrer, diretor de um hotel da região que mantém um sistema de formação próprio para seus funcionários, a principal crítica é que os cursos são curtos e não têm prática profissional, como estágios nos locais de prestação dos serviços. Além disso, Karrer argumenta que muitos dos conceitos utilizados nos cursos estão desatualizados.

"Há informações no curso que não são mais utilizadas na indústria hoteleira mundo afora, mas, quando podemos escolher entre alguém da região que fez os cursos da carreta e alguém que não fez, escolhemos o primeiro, pois já tem alguma experiência e poderá aproveitar melhor os nossos cursos internos", diz Karrer.

Outra possibilidade para os profissionais não apenas da Bahia mas de todo o país aproveitarem a abertura da temporada de turismo é obter a certificação profissional do Instituto da Hospitalidade. O instituto, uma organização sem fins lucrativos com sede em Salvador, certifica profissionais do setor e estabelecimentos que queiram investir em turismo sustentável.

Qualquer pessoa pode obter o certificado de qualidade profissional do Instituto da Hospitalidade, desde que faça as provas necessárias de cada uma das 53 categorias existentes no cardápio, que vão da ocupação de camareira a maître, passando por garçom, especialista em segurança alimentar, especialista em hospitalidade, gerente de hotel e arrumadeira, entre outras.

Nenhuma especialidade tem pré-requisitos formais, mas as provas para a certificação avaliam desde a postura até os conhecimentos específicos de cada ocupação, como técnicas de atendimento.

Além das provas de conhecimento, há as de exercício profissional. Para quem começou a trabalhar precariamente, sem o auxílio de um curso de formação, e aprendeu "com a vida", a certificação é uma oportunidade de institucionalizar o conhecimento adquirido.

Os certificados emitidos valem por três anos, ao final dos quais os profissionais têm de se submeter a uma nova prova. "Essa reciclagem é necessária porque o setor de turismo evolui, e as técnicas de atendimento e de serviços de hotelaria sempre incorporam novos conceitos", diz Adhemar Altieri, um dos coordenadores do processo de certificação. As inscrições para as provas custam R$ 80.

O repórter Rômulo Neves e a fotógrafa Cris Bierrenbach viajaram a Itacaré a convite do Senac e da pousada Aldeia do Mar.

Saiba mais:
www.senac.br/conheca/senacmovel.html
www.hospitalidade.org.br

     

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