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29/06/2004 - 03h02

Perfil: Paparazzo de árvores

Fernando Eichenberg
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Paris

Quem tenta falar com o fotógrafo francês Jérôme Hutin, 36, no seu telefone celular corre o risco de encontrá-lo em algum canto inimaginável do planeta. No último dia 10 de maio, ele estava na fronteira entre a França e a Suíça, próximo à cidade de Ferney-Voltaire, clicando ecologistas pendurados em galhos de árvores centenárias. O grupo de militantes tinha se instalado no local para evitar seu abate, previsto no projeto de ampliação do aeroporto de Genebra.

Jérôme Hutin/Divulgação
O fotógrafo Jérôme Hutin, a 85 metros de altura, em sequóia na Califórnia
Jérôme Hutin é um amante das árvores. Sua adoração concentrou-se, de forma simbólica, nos espécimes da terceira idade, "testemunhas vivas de nossa história ancestral", como costuma defini-las. A paixão já o levou a percorrer milhares de quilômetros ao redor do mundo, acumulando histórias, encontros e centenas de imagens.

O interesse pela natureza começou cedo. "Desde pequeno, já queria ter uma profissão relacionada ao ambiente. Queria ser veterinário ou fazer documentários sobre animais. Aos 15 anos, comecei a admirar as grandes árvores", revela. A curiosidade adolescente se transformou em militância profissional. Desde 1989, Jérôme Hutin imortaliza com suas inseparáveis câmeras Linhof, Hasselblad ou Contax árvores antiqüíssimas semeadas pelo mundo, muitas delas abandonadas e ameaçadas. Suas expedições resultaram no livro "Les Arbres Vénérables" (As árvores veneráveis), lançado na França em 2003 pela editora JC Lattès (224 págs., € 37).

Nas suas peregrinações à caça de árvores antigas, o "globetrotter" fotográfico viajou por países como África do Sul, Alemanha, Austrália, Chile, China, Índia, Japão, Madagáscar, México, Suíça e Quênia. A Amazônia brasileira não foi excluída do roteiro por desinteresse. "Havia feito um contato com uma ONG para fotografar no Brasil, mas, quando estava na América do Sul, acabou faltando tempo e dinheiro. A Amazônia é imensa, e eu não poderia realizar o trabalho sem uma boa preparação. Mas ainda pretendo fotografar as árvores brasileiras", diz.

Raio-X

Nome: Jérôme Hutin
Nascimento: 17 de setembro 1967
Estado civil: solteiro
Ocupação: fotógrafo
Hobbies: cinema, ciclismo, viagens, etologia
Site: http://arbresvenerables.fr.st

Hutin começou a clicar suas árvores "veneráveis" por sugestão de um amigo. Mas foi a partir de um pedido da associação francesa Mathusalem, responsável por um projeto de recenseamento de árvores na região de Dordogne, onde reside, que sua paixão adquiriu contornos mais ambiciosos e profissionais.

Um dos mais velhos espécimes registrados por Hutin é o carvalho de Montravail, que vive na região de Charente-Maritime. A árvore, que foi descoberta em 1832 pelo naturalista Charles d'Orbigny, tem idade estimada em mais de 2.000 anos, um tronco de 26 metros de circunferência e galhos de um a dois metros de diâmetro. A frondosa árvore, que assistiu às invasões bárbaras e às expulsões dos primeiros reis da França, quase foi condenada a virar lenha em 1883, mas acabou salva pelo então prefeito da cidade, também professor de botânica.

"Comecei minha pesquisa na França e me dei conta de que não havia muitas pessoas no mundo que se interessavam pela proteção de velhas árvores. Por isso, decidi sair pelo mundo para fotografá-las. Além de registrar as árvores históricas, acabei também me interessando pelas histórias das pessoas que se preocupavam com a proteção delas", conta o fotógrafo.

Na sua cruzada pelas árvores, Jérôme Hutin subiu os 3.000 metros de altitude das "white mountains" (montanhas brancas) da Califórnia (EUA), diante da Sierra Nevada, para chegar aos pinheiros mais antigos do planeta, os pínus de Bristlecone. Entre eles, há o Fraternity (ou Matusalém), descoberto em 1957 e considerado por muitos especialistas como a árvore viva mais antiga do mundo, com quase 5.000 anos de idade.

Se não tivesse sido abatido em 1964, outro pinheiro da região, o Prometheus, que já tinha 300 anos quando as pirâmides do Egito começaram a ser construídas, superaria o Matusalém em longevidade. No entanto, seu descobridor, um jovem estudante da Universidade da Carolina do Norte, recebeu, na época, a autorização do serviço florestal norte-americano para abatê-lo e estudá-lo. "Hoje, felizmente, essas árvores são protegidas, e sua localização é mantida em segredo", explica o fotógrafo.

Para fotografar o zimbro de Bennet (Juniperus occidentalis), de cerca de 4.000 anos, em Sonora, também na Califórnia, Jérôme Hutin rodou duas horas nas montanhas, montado num motociclo para neve. "Nunca havia visto uma espécie dessas", relata, com entusiasmo, em seu livro. Hutin conta que, anualmente, num dia de sol, um senhor de 80 anos chamado George Dubbins se recolhe ao pé da árvore e conta a história da espécie vegetal a quem quiser ouvi-la.

No México, seu alvo principal foi a lendária árvore de Santa Maria de Tule, na região de Oaxaca. Trata-se de um cipreste gigante (Taxodium mucronatum), de mais de 40 metros de circunferência (o maior do mundo para a espécie), com idade estimada em 2.500 anos. No século 15, a árvore sobreviveu a um raio que abriu um rombo em seu tronco. Atualmente, a falta de água subterrânea, causada pela redução do fluxo no lençol freático, ameaça seu futuro. Para tentar salvá-la, foi criada a organização Mi Amigo el Árbol, que propôs ao governo mexicano declarar seu entorno como zona protegida e, à Unesco, classificar o singular cipreste como patrimônio mundial.

O Japão também foi incluído na sua saga em busca de árvores milenares. Na ilha de Yaku-shima, estão os mais antigos espécimes do cedro vermelho do Japão (Cryptomeria japonica). Durante séculos, as montanhas e florestas da ilha foram consideradas sagradas, o que possibilitou sua sobrevivência. Jomon Sugi, o mais antigo cedro-japonês do mundo, venerado pelos nativos e admirado pelos turistas, tem idade estimada em mais de 3.000 anos. "Fala-se em até 7.200 anos, o que parece, no entanto, bastante inverídico", sustenta o fotógrafo.

Na África, a árvore encarna a sabedoria, lembra Hutin. Sentadas à sua sombra, gerações transmitem histórias seculares. O baobá é uma das árvores-símbolo do continente. O maior do mundo é o baobá de Sagole (Província de Limpopo, África do Sul), que tem 38 metros de circunferência e cerca de 3.000 anos de idade.

Hoje, assinala o explorador-fotógrafo, a árvore foi desmistificada e banalizada e se tornou portadora apenas de interesses econômicos. "Ficou desprotegida", diz. "Cerca de 90% das florestas originais mundiais desapareceram, assim como seus ecossistemas. Do que restou, no máximo a metade é mais ou menos protegida, e o restante fica à mercê das companhias florestais e dos governos. Dez por cento das espécies de árvores conhecidas estão ameaçadas ou em via de extinção."

Em suas viagens, Jérôme Hutin não flagrou somente belas e resistentes árvores anciãs, mas também os danos provocados pela ação do homem. Na Tasmânia, ilha meridional australiana, sua câmera constatou os estragos nas florestas do vale Styx, que acolhem raros exemplares da espécie Eucalyptus regnans, colossos que chegam a atingir cem metros de altura, com troncos de 18 metros de circunferência. As áreas externas aos limites dos parques nacionais são completamente desprotegidas. "Nos lugares preservados, a proteção é máxima, mas, nos demais, cortam-se árvores a torto e a direito. Há muitas ONGs que lutam contra o desmatamento, mas a corrupção e o lobby florestal tentam fazer as pessoas acreditarem que tudo é feito para o bem", observa.

Entre uma e outra viagem em busca de alguma velha árvore esquecida do planeta, o fotógrafo recupera as energias na casa materna, onde mora, na pequena cidade de Terrasson (a 180 km de Bordeaux), na França. Mas espera, logo, poder se mudar. Sua namorada mora bem longe de casa. "Conheci-a durante uma de minhas expedições. Ela é chinesa, guia de trekking em Xin Hong, na região de Yuan, China", explica.

Hoje completamente integrado à militância ecológica, o explorador-fotógrafo escolheu como símbolo de seu trabalho os curiosos cogumelos Mycena interrupta, da Tasmânia, similares a pequenos olhos azuis de um centímetro de diâmetro. "É a imagem que prefiro: como se esses olhos-sentinelas estivessem observando a estupidez praticada pelo homem na natureza." Os simpáticos cogumelos inspiraram o lançamento de uma fundação, previamente batizada de Mycena Interrupta, com a missão de restaurar e proteger o patrimônio de antigas árvores.

As fotografias de velhas árvores fizeram brotar outras idéias para novos projetos. Jérôme Hutin planeja montar uma exposição de fotos de 30 árvores, em tamanho real, em locais nobres de Paris. "Se já foi realizada uma grande exposição de trens na avenida Champs-Elysées, por que não ceder espaço para as árvores?", indaga. Seu combate maior no momento, no entanto, é o de formar um comitê internacional, com o apoio da Unesco e da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza, na sigla em inglês), para que as árvores antigas sejam classificadas como "monumentos naturais nacionais" e "patrimônio natural mundial".

Hutin acredita que ainda há muito a ser feito na questão da preservação ambiental. "Não posso dizer que sou otimista, porque há pessoas bastante estúpidas do outro lado. Mas sou um otimista em relação à força da natureza. A floresta ainda é mais forte do que o cimento", afirma o fotógrafo.

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