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27/07/2004 - 03h30

Entrevista: Aprender a conviver

Deborah Giannini
free-lance para a Folha de S.Paulo

Educadores que atuam fora das salas de aula com jovens, dependentes químicos, moradores de rua ou idosos, estimulando-os a entender seu papel na sociedade, são uma realidade na Dinamarca. Os educadores sociais, como são chamados esses profissionais, têm a missão de desenvolver nas pessoas algo de que elas já dispõem, mas de que não têm consciência: suas potencialidades.

Fabiano Cerchiari/Folha Imagem
O psicólogo Peter Friese, em sua passagem por São Paulo
Como fazer isso? O dinamarquês Peter Friese, 43, psicólogo e diretor do Instituto de Ensino Peter Sabroe, em Aarhus, um dos que formam educadores sociais no país, decidiu mudar a forma de treinamento de seus alunos, tornando o processo mais empírico, para atingir esse objetivo.

Em 2000, criou o "Get2Gether" ("Vamos nos reunir"), uma parceria entre o Festival de Aarhus, evento anual batizado com o nome da cidade, o Instituto de Ensino e escolas públicas municipais. Na pauta, a realização de projetos culturais com os jovens. Os educadores sociais em formação trabalham dando suporte aos estudantes para que criem seus próprios projetos, apresentados durante o festival. Para os graduandos do instituto, essa atividade corresponde a um módulo do curso. "Nossa meta com esse público-alvo é desenvolver a tolerância, o respeito entre os grupos étnicos e sexuais e ajudar esses jovens a acreditarem neles mesmos", diz Friese.

Os educadores sociais do Instituto de Ensino Peter Sabroe atuaram também na Estônia, com o objetivo de contribuir para o processo de democratização do país, ex-comunista. "A cidadania começa quando o indivíduo percebe que, se alguém o leva a sério, reconhece sua individualidade", acredita.

Em sua passagem por São Paulo, no mês passado, durante eventos do Fórum Cultural Mundial, Peter Friese concedeu a seguinte entrevista.

Sinapse - A qualificação de "educador social" na Dinamarca é uma criação sua?
Peter Friese -
Não, essa qualificação já existia. O que eu mudei foi a forma de atuação desses profissionais, tornado-a mais prática e menos acadêmica. Estando junto com as pessoas, você pode tirar algo de bom delas, e essa é a diferença de meu programa.

Sinapse - O que o motivou a mudar a forma de treinamento dos educadores sociais?
Friese -
Observar as necessidades das pessoas. Por exemplo: os jovens respeitam alguém que considerem inteligente, que faça diferença em suas vidas, mais do que educadores que os tratam como bobos. Alguém que acrescente algo, e não apenas analise. Os educadores sociais convencionais se limitavam a isso. Não queremos analisar vidas, mas sim modificá-las. E isto pode ser relevante no Brasil: a necessidade de profissionais que talvez nunca tenham lido um livro, mas possuem habilidade com as pessoas.

Sinapse - Mas essa não seria a função de um educador convencional?
Friese -
O educador convencional trabalha dentro das escolas, e o educador social, fora dela, na vida diária. Trata-se do desenvolvimento da pessoa como um todo, não apenas da capacidade intelectual. Propomos uma discussão com os professores sobre por que o aprendizado tem de ser tão chato. O educador social diria que dá para aprender matemática, por exemplo, de uma forma diferente. Em vez de fazer o aluno decorar a tabuada, ele ensinaria um rap usando esses números, não apenas fazendo-o decorar mas induzindo-o a entender sua lógica. As crianças não pensariam "Aprendi matemática, que saco", mas sim "Tive uma tarde maravilhosa, me diverti!". É muito diferente.

Sinapse - Quem deve pagar pelos serviços do educador social?
Friese -
Na Dinamarca, quase todos esses profissionais trabalham para o Estado ou para o município, normalmente no jardim da infância, com crianças de três a seis anos. Eles também atuam em orfanatos ou asilos, com dependentes químicos, prostitutas ou deficientes mentais. O educador social é um generalista, como o jornalista. Há um programa, e o profissional pode trabalhar em diferentes áreas dentro de sua proposta.

Sinapse - Quem precisa de educador social?
Friese -
Todo mundo precisa! A Dinamarca é um país rico, e mesmo assim temos problemas. Por isso criamos a instituição. A atuação desses educadores sociais não se limita a grupos em situação de risco, mas se estende a "pessoas normais". Toda pessoa tem um potencial, e os educadores sociais acreditam nele. Eles não vão dizer às pessoas o que elas devem ser, mas sim dar suporte aos seus projetos de vida. Na verdade, nós não precisamos de educadores sociais, mas de pessoas que pensem como eles.

Sinapse - Como o educador social trabalha na prática?
Friese -
No jardim da infância, por exemplo, desenvolve a criança por meio de atividades esportivas e artísticas. Com jovens, incentiva a formar bandas de rock com temas ligados às suas próprias vidas e promove apresentações para toda a comunidade. Já com pessoas envolvidas com drogas e violência, os programas aplicados estão ligados à natureza e a atividades com adrenalina, como escalada e rafting.

Sinapse - Como foi o trabalho desenvolvido na África do Sul?
Friese -
Nos últimos quatro anos, desenvolvemos um trabalho conjunto chamado "Get2Gether" ["Vamos nos reunir"], com atividades que integravam jovens de bairros pobres e ricos. Além da integração, incentivávamos o crescimento individual. Ratificamos valores de democracia e mostramos aos jovens que eles podem ser mais do que consumidores da MTV.

Sinapse - Você mudaria o programa para aplicá-lo ao Brasil?
Friese -
Com certeza. Assim como fizemos na África, não iríamos impor nosso programa, mas mostrar nosso trabalho aos parceiros brasileiros e chegar a um consenso sobre o que seria mais adequado. Na África, pensávamos ter ensinado uma coisa, mas eles aprenderam outras.

Sinapse - Como educadores sociais contribuem para o desenvolvimento da cidadania?
Friese -
O objetivo do educador social e de sua prática é tratar cada pessoa dentro de sua individualidade, facilitando seu projeto pessoal, em vez de tentar ensiná-la o que fazer. A cidadania começa quando o indivíduo percebe que, se alguém o leva a sério, reconhece sua individualidade. Então ele é bem-vindo à sociedade, pode fazer a diferença. O intuito é que a pessoa se sinta parte da sociedade.

     

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