Folha Online sinapse  
27/07/2004 - 03h36

Excelência para quase todos

Rafael Cariello
da Folha de S.Paulo, em Nova York

Numa atitude apresentada como um passo a mais na política de ação afirmativa, universidades de elite nos Estados Unidos estão procurando facilitar o acesso de estudantes das classes média e baixa ao seu corpo de alunos.

U.Va.News Services/Jenny Gerow
Estudantes em aula ao ar livre no campus da Universidade de Virgínia

"Há uma percepção de que as pessoas mais pobres não estão tendo acesso às universidades", diz Kathleen Valenzi, porta-voz da Universidade de Virgínia, uma das instituições que anunciaram medidas para tentar aumentar a "diversidade financeira" nos campi.

Somada aos tradicionais programas de empréstimos e de bolsas parciais, a novidade está inserida principalmente na criação de faixas de renda dentro das quais os estudantes serão simplesmente isentos de contribuição para freqüentarem cursos superiores.

Harvard, por exemplo, anunciou no início do ano que integrantes de famílias que ganham até US$ 40 mil (R$ 126 mil) por ano serão isentos automaticamente de qualquer forma de pagamento, independentemente do número de membros. A Universidade de Maryland iniciou também neste ano um programa semelhante para membros de famílias com renda anual menor que US$ 21 mil (R$ 66 mil).

Nas Universidades de Virgínia e da Carolina do Norte, o cálculo é um pouco mais complexo. A isenção é dada a estudantes que provenham de famílias em que a renda per capita seja inferior a 150% da linha de pobreza americana. No caso de uma família com quatro pessoas, a linha de corte fica próxima de US$ 28 mil anuais (R$ 88 mil). Há diferenças entre os programas, no entanto. No caso da Carolina do Norte, os estudantes terão de trabalhar entre 10 e 12 horas por semana no campus. Na Virgínia, não haverá contrapartida.

O movimento de reação à crescente elitização financeira das universidades, por enquanto, está restrito a poucas instituições. Segundo o Instituto de Pesquisa de Educação Superior, ligado à UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), a fatia de estudantes recém-ingressos na vida universitária —em 250 instituições— pertencentes aos 25% mais ricos da sociedade americana cresceu de 46,1% em 1985 para 54,9% em 2000. A participação de alunos de classe média, que estão entre os 25% mais ricos e os 25% mais pobres, caiu de 40,9% em 1985 para 33,2% em 2000. A proporção de calouros pertencentes à fatia mais pobre caiu de 13% para 11,8% no mesmo período.

Se consideradas apenas 42 universidades no topo da hierarquia do ensino superior nos EUA, 40% dos calouros de 2004 vêm de residências com renda anual superior a US$ 100 mil, contra 32% em 1999.

Os números parecem indicar —e as novas medidas de inclusão confirmam tacitamente isso— que as políticas de ação afirmativa criadas nas últimas décadas para tornar a vida acadêmica americana menos elitista, mais democrática e mais plural foram eficientes apenas no seu objetivo imediato de trazer maior diversidade étnica para as universidades. A entrada de maior número de calouros negros e latinos parece não ter tido efeito sobre a "diversidade financeira" dessas instituições.

Leticia Oseguera, pesquisadora do Instituto de Pesquisa de Educação Superior, diz que a principal razão para o crescimento do número de alunos ricos é bastante simples: a elevação dos custos das anuidades. Além disso, ela afirma, a maioria das universidades trabalha com orçamentos mais apertados, o que resulta na diminuição da oferta de bolsas e de ajuda financeira por parte das instituições.

A responsável pelos programas de ajuda financeira da Universidade Harvard, Sally Donahue, diz que os programas de ação afirmativa foram bem-sucedidos. Além das bolsas para os que provarem ganhar menos de US$ 40 mil, ela afirma que a instituição ampliará o programa de ajuda financeira para os alunos que provierem de famílias com renda de até US$ 60 mil anuais. "Na faixa entre US$ 40 mil e US$ 60 mil, vamos esperar que contribuam com uma quantia bastante baixa."

Donahue afirma que Harvard está atrás de estudantes talentosos, venham de onde vierem, e que as novas medidas se aplicam também a alunos estrangeiros. Em princípio, ela diz, brasileiros que passem pelo processo de seleção da universidade e provem renda em dólares abaixo do valor definido também terão direito a bolsa ou ajuda financeira.

Ela reconhece que a medida foi pensada após "vários estudos" demonstrarem que a instituição estava se tornando mais elitista, em termos financeiros, do que no passado. "Procuramos alunos de todas as partes do planeta que tenham o desejo de mudar o mundo em todos os sentidos —econômico, político, cultural, artístico. Os líderes do futuro devem vir das mais diferentes origens", diz ela. "De 7% a 8% de nossos estudantes vêm de outros países."

Outra medida anunciada pela universidade, ainda restrita a Boston e cidades próximas, é a criação de um programa para incentivar estudantes pobres e talentosos a se candidatarem para Harvard.

Oseguera, da UCLA, afirma que o número de instituições de ensino superior capazes de oferecer o mesmo tipo de ajuda agora anunciado por Harvard ainda é muito pequeno. "A maior parte das universidades não tem condição financeira de fazer isso. Só as que têm melhor situação podem oferecer essa ajuda", diz.

Há outros fatores, segundo Oseguera, que afastam estudantes pobres —e devem continuar a fazê-lo— das melhores instituições do país. Muitos deles não entrarão numa universidade de elite como Harvard, por exemplo, mesmo com a oferta de ajuda financeira, pela simples razão de que é provável que não tenham se preparado para a vaga tão bem quanto um estudante rico. "Infelizmente, acredito que vamos continuar reproduzindo a desigualdade que existe agora", afirma.

     

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