27/07/2004
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03h38
Gilson Schwartz: Orkut, a bolha
Gilson Schwartzcolunista da
Folha de S.PauloQuando escrevi aqui pela primeira vez sobre o Orkut, citando ainda o Wiki e o Plone, a palavra soava exótica. Poucos meses depois, já é possível publicar uma coletânea de artigos falando do software, tamanho o sucesso. Há mais brasileiros nas comunidades do Orkut do que norte-americanos. Choveram análises e repúdios bem-humorados à engenhoca internética. Posso ao menos dizer que fui o primeiro a recusá-lo.
O Orkut, como outros "gadgets" de alta tecnologia, repete numa escala micro o mesmo fenômeno que engolfou o estouro da própria internet nos anos 90: são bolhas. Há mais semelhanças entre a bolha especulativa e a mania consumista do que supõem nossas vãs filosofias. Aliás, alguém tem um "tamagotchi" guardado aí?
Assim como as bolhas financeiras e consumistas, as ondas de inovação que geram produtos e serviços deixam um rastro de conquistas, avanços civilizatórios. Afinal, por baixo da espuma e do movimento caótico de investidores, consumidores e governos, na prática surgem novas formas de vida, e o capitalismo se transforma.
Isso que aparece como caricatura e golpe de marketing em softwares e comunidades como o Orkut é apenas a ponta mais visível e passageira de um processo mais amplo e duradouro de transformação nos modelos de comunicação. Há pelo menos dez anos, por exemplo, administradores de empresas e organizações estudam a evolução das chamadas "comunidades de prática" e aplicam tecnologias de informação e comunicação aos processos de cooperação que tornam essas empresas e organizações mais eficientes e competitivas.
Assim como antes da internet o mundo em "tempo real" e on-line tornou-se realidade no sistema financeiro global, antes do Orkut as empresas e organizações mais avançadas instalaram e passaram a operar complexos sistemas de informação e comunicação, interna e externa, com ferramentas "comunitárias". Garotos e garotas curtindo Orkut, ICQ ou Messenger estão sendo treinados em massa para se integrarem ao mundo das organizações "inteligentes".
Falta discutir se é de fato desejável marcharmos festivos para viver em bolhas.
Gilson Schwartz, 44, economista e sociólogo, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br).
E-mail: schwartz@usp.br