Folha Online sinapse  
31/08/2004 - 03h34

Gilson Schwartz: Cidade se governa com PT, PSDB e PFL

Gilson Schwartz
colunista da Folha de S.Paulo

Neste ano de eleições, que mais parece uma batalha campal, tamanha a animosidade reinante, há uma cidade que se governa com a participação do PT, do PSDB e do PFL. Não sei se é a única, mas é bem provável que seja. É a Cidade do Conhecimento.

Ainda não há propriamente eleições nessa cidade virtual, descontado o concurso público que selecionou o projeto de pesquisa e desenvolvimento que produziria uma "cidade do conhecimento". Lideranças e políticos de vários partidos confraternizam nesse território. Em 10 de agosto, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, proferiu na cidade uma aula magna sobre o tema "Cultura digital e desenvolvimento".

O ministro da Cultura, que é do PV, assinou como testemunha um protocolo de intenções entre a Cidade do Conhecimento e duas iniciativas: o Condomínio Digital, de Salvador, e o programa Identidade Digital da Bahia, representadas por Rafael Lucchesi, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação desse Estado. Também subscreveu Guilherme Ary Plonski, superintendente do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), representando a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento e Turismo de São Paulo. Tudo sob o patrocínio da Caixa Econômica Federal, cujo presidente, Jorge Mattoso, é do PT.

Era uma cena incomum: políticos e representantes de governos do PT, do PV, do PSDB, do PSB e do PFL em torno de um mesmo ideal, a promoção da inteligência coletiva, por meio de conexões digitalizadas, mediada e estimulada pela maior universidade pública do país. Todos filiados, talvez, a um mítico PC, "Partido do Conhecimento".

O país pega fogo em torno do debate sobre uma agência de regulação do audiovisual. Vários funcionários célebres de empresas privadas de mídia alertam para a iminência do "Terror" petista. Novamente estão criando no país um clima de Fla-Flu.

A organização de mídias digitais, ou seja, redes audiovisuais, pode corresponder a um projeto nacional de desenvolvimento local, regional e global. Trata-se, de fato, de uma nova "terra", mas, sem uma reforma agrária que garanta a distribuição, os latifúndios simplesmente vão ressurgir modernos e repaginados, como tem sido há séculos.

Os dados sobre distribuição de nomes de domínio (títulos de propriedade na internet), que serão publicados até o final do ano pela Fapesp, comprovam o que Manuel Castells e outros têm observado em todo o mundo: as novas redes digitais, terras prometidas de acesso a informação e democratização do conhecimento, seguem os mesmos padrões de concentração e exclusão vigentes em outras dimensões da economia.

Esses domínios não se governam sozinhos nem têm implícitos mecanismos de difusão igualitária. Está claro também o desafio de transformar a própria universidade em algo mais próximo à cidade e à cidadania, cumprindo outra função social pela da inclusão digital. Seu futuro depende apenas da capacidade humana de pensar coletivamente, apesar da competição de vida e morte entre PT, PSDB, PFL, PMDB etc.

Gilson Schwartz, 44, economista e sociólogo, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br).
E-mail: schwartz@usp.br

     

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