Folha Online sinapse  
31/08/2004 - 03h44

Verbete: A lei, ora, a biolei

Eduardo Geraque
especial para a Folha de S.Paulo

Há apenas um consenso em relação à Lei de Biossegurança que está no Senado. Os diversos grupos envolvidos, principalmente políticos, cientistas e religiosos, sabem que um novo texto para organizar questões polêmicas como a transgenia e o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas é mais do que necessário.

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O mundo científico se alterou bastante desde 1996, ano em que a atual Lei de Biossegurança nacional foi aprovada. Plantações de sementes de soja transgênica, por exemplo, são uma realidade no Sul do Brasil. Ilegais, elas são regularizadas, ano a ano, por meio de medidas provisórias. Nos laboratórios de biologia molecular, também está cada vez mais claro que o uso de determinados tipos de célula em certos projetos pode significar um atalho para a cura de doenças de origem genética.

Fechar um texto de uma lei de biossegurança não é tarefa simples, e o Congresso escolheu um caminho ainda mais difícil. Os transgênicos e o uso de células-tronco embrionárias vão ser apreciados juntos pelos relatores. As divergências nessas duas questões são radicais.

A balança com a rotulagem OGMs (Organismos Geneticamente Modificados), apenas para ficar entre dois grupos opostos, vai precisar ser equilibrada entre ambientalistas e agricultores. Os primeiros exaltam o chamado princípio da precaução: como não se sabe quais são os efeitos dos transgênicos sobre a saúde e sobre o ambiente, o melhor é não liberar nada. E agricultores, de olho no mercado externo e nos custos da produção, querem logo jogar suas sementes modificadas sobre o solo.

O que dizer da lei que está sendo apreciada pelo Senado? O texto, que sofreu mudanças contundentes na forma como veio da Câmara, está sendo comemorado pelos cientistas. Esse terceiro grupo, normalmente nem contra ou a favor, tem mostrado que também sabe fazer lobby _no bom sentido_ e se diz defensor da possibilidade de pesquisar, o caminho mais sensato para saber se OGMs prejudicam a saúde ou não.

A Lei de Biossegurança que está em discussão nas comissões do Senado coloca grande parte da responsabilidade de liberar tanto as pesquisas como a comercialização dos transgênicos na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Mas os ambientalistas, mesmo os que estão no Ministério do Meio Ambiente, uma das pastas representadas na comissão, não querem essa concentração de poder nas mãos da CTNBio. Para eles, decisões sobre liberação de pesquisas com transgênicos devem ser tomadas também por outras instâncias.

Se nenhuma outra reviravolta ocorrer no trâmite do projeto de lei, parte das três reivindicações dos principais grupos interessados na questão foi atendida. A burocracia para as pesquisas diminuiu. A possibilidade da liberação aumentou. E também está em aberto a possibilidade de ocorrer as importantes intervenções dos ambientalistas.

Se o assunto passa a ser o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, um outro grupo precisa ser citado. Como essas pesquisas, no fundo, pretendem fazer a chamada clonagem para fins terapêuticos _e, para isso, os pesquisadores precisam manipular embriões humanos_, vários grupos religiosos são contrários a esses procedimentos. A Grã-Bretanha, na primeira quinzena deste mês, liberou as pesquisas. No Brasil, o novo texto vai na mesma linha, apesar de ainda estar bastante confuso e polêmico.

Os cientistas defensores da clonagem terapêutica _pesquisas que podem desenvolver técnicas para o desenvolvimento de órgãos ou tecidos humanos_ dizem que eles não querem criar novos embriões para serem usados em seus laboratórios. Eles estão de olho naqueles que já existem e que são descartados pelas clínicas de fertilização in vitro.

O debate, seja no Senado, na Câmara, nos laboratórios ou na sociedade em geral, está muito longe de terminar. É preciso, pelo menos, que cada um dos interessados saiba onde quer chegar. Nem sempre é isso que ocorre. As discussões vistas ainda não submergiram do caos.

Eduardo Geraque, 32, jornalista e biólogo, é editor da Agência de Notícias da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina, da USP, em jornalismo e ambiente.

     

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