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28/09/2004 - 02h48

Gilberto Dimenstein: O diário coletivo de Susana Prizendt

Gilberto Dimenstein
colunista da Folha de S.Paulo

Matangra
Um surto agudo de anorexia nervosa fez com que, há sete anos, a artista plástica e arquiteta Susana Prizendt, já magra, fosse definhando velozmente, a ponto de quase não conseguir se locomover. Sem condições de trabalhar, trancou-se em casa. Não sabe exatamente por que começou a experiência de desenhar rostos em pequenas telas, usando os mais diferentes materiais. "Fui descobrindo que era como se eu me conectasse por daquelas obras para enfrentar cada dia", conta.

Se o corpo da anoréxica, rejeitando o alimento, ia tentando se extinguir, a mente parecia encontrar uma saída. Experimentou uma técnica semelhante à dos viciados que tentam ficar limpos: viver um dia por vez como se fosse toda uma vida. "Eu ia coletando objetos e os fixava em minhas telas, como se fossem diários."

Susana produziu 600 pequenas telas e escolheu 270 delas —que, transformadas em dias, significam nove meses de uma gestação. Daí nasceu seu principal projeto: um diário coletivo. Procurou 270 pessoas para que escolhessem uma tela com a qual se identificavam e, a partir do desenho, contassem um dia de sua vida.

Dispuseram-se a participar dezenas de anônimos: engraxates, catadores de papel, barbeiros, aposentados, encanadores, porteiros. Mas esse diário coletivo também reúne celebridades, como Rita Lee, Mário Prata, Frei Betto, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro e Antonio Candido —todos registrando um dia de sua vida.

"Agora vou contar meu dia. Tem de tudo um pouco, como uma salada coletiva", relata Geraldo, um catador de papel. "Distraído enfrento o trânsito, avaliando o número de páginas que poderei ler durante os intervalos, obcecado com o livro comprado ontem", escreve o empresário Horário Lafer Piva.

A experiência ensinou a Susana o poder terapêutico da arte e a força que nasce do convívio com as pessoas. "Não tinha percebido que, com essa experiência, estava buscando me ligar às pessoas e a suas conexões com o cotidiano para me manter de pé."

Mas o projeto está suspenso: ainda não sabe se terá forças para publicar esse diário coletivo.

Gilberto Dimenstein, 47, é jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo.
E-mail: gdimen@uol.com.br

     

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