Folha Online sinapse  
26/10/2004 - 03h12

Gilson Schwartz: Gestão de máquinas ou de pessoas?

Gilson Schwartz
colunista da Folha de S.Paulo

Pouca gente ainda acredita em ciência social, e ainda menos pessoas estarão dispostas a aceitar que a economia é uma ciência social. Quando, há uns poucos anos, ganhou impulso a disseminação de redes digitais, rapidamente se popularizou a idéia de uma nova economia. Assim como a globalização, a idéia virou moda, a moda virou ideologia e até hoje ainda se percebe no horizonte o rescaldo fumegante dessas mitologias tecnocráticas.

Quase 20 anos após a primeira crise mundial do petróleo, a queda do Muro de Berlim e a universalização do Consenso de Washington criaram uma euforia irracional. Hoje, os mitos da nova economia e da globalização já se desmancharam. A atual crise revela que a economia continua dependente de recursos não-renováveis, drama ampliado pelas guerras por água, ar e florestas. A teoria da intervenção militar preventiva desmonta a ilusão de uma renascença cultural global.

De fato não há uma nova economia, mas se fala cada vez mais de modelos ecológicos em que a inteligência na organização da produção e na distribuição de recursos crie situações, contextos e estilos de socialização cuja compreensão e gestão vão muito além do mercado.

O erro dos engenheiros e economistas eufóricos da década passada foi acreditar que o "novo" da economia era um capitalismo puxado por ciclos de inovação tecnológica. Essa foi a moda entre alguns "neo-schumpeterianos" (Schumpeter foi um economista fascinado pela tecnologia, muito citado após a crise do comunismo e usado por Gustavo Franco para justificar a âncora cambial brasileira). Essa visão floresceu entre consultores e acadêmicos próximos a conselhos de grandes empresas.

A esperança que ainda existe não vem do impacto da tecnologia sobre indicadores convencionais de produtividade. A novidade está nas mudanças organizacionais e culturais que as novas tecnologias possibilitam, especialmente por redes de comunicação e colaboração digitais. Nesse caso, os indicadores são mais polêmicos e inconclusivos.

É como comparar os efeitos da automação de uma linha de produção aos da criação de um novo modelo de transporte. Alguns engenheiros e economistas prestam atenção demais ao mecanismo da linha de produção. Assim ocorreu, por exemplo, a mistificação do "modelo japonês" a partir dos anos 80. Os analistas mais sofisticados, no entanto, recusam esses óculos mentais para perceber novos modelos de colaboração, criação de conteúdo e organização da economia e da cultura. É de fato algo novo, mas a novidade não é estritamente econômica.

Nas duas abordagens (economicista x culturalista), a tecnologia aparece com destaque, mas no primeiro caso o enfoque é mecanicista e materialista _tudo parece se resumir à eficácia utilitarista na gestão de sistemas de máquinas. No segundo, a prioridade recai sobre mentalidades, culturas e modelos de gestão estratégica do conhecimento e das pessoas. Nesse enfoque, há algo "novo" na relação entre economia e tecnologia, mas que está muito além do que supõem as cabecinhas de planilha obcecadas pela eficácia da antiga ordem industrial.

Em tempo: a engenharia é uma ciência social.

Serviço: o Instituto de Estudos Avançados da USP e o programa Tidia, da Fapesp, recebem no início de novembro a visita de Yochai Benkler, um pesquisador de Yale que está redefinindo os limites entre economia, direito e informação (www.benkler.org). Mais informações sobre suas palestras no Brasil estão em www.usp.br/iea ou www.fapesp.br.

Gilson Schwartz, 44, economista e sociólogo, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br).
E-mail: schwartz@usp.br

     

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