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24/09/2002 - 02h49

Leia trecho do livro "A Invenção do Restaurante"

da Folha de S.Paulo

Leia abaixo a introdução do livro "A Invenção do Restaurante", de Rebecca L. Spang, que a editora Record lança em outubro.

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INTRODUÇÃO: COMO PREPARAR UM RESTAURANTE

Séculos antes de um restaurante ser um lugar aonde se ia para comer (e até várias décadas depois disso), um restaurant era algo de comer, um caldo restaurativo. Este livro segue o curso do restaurante (como nós o conhecemos) desde seu surgimento a partir de uma pequenina xícara de caldo de carne.

No século XV, uma receita de restaurant começava ensinando que um capão recém-abatido fosse cozido numa panela de vidro de um alquimista com sessenta ducados de ouro, e observava que o cozinheiro poderia complementar as peças de ouro com diamantes, rubis, safiras, jaspes ou "qualquer outro artigo e pedras preciosas eficazes que o médico pedisse" (1). Os dicionários dos séculos XVII e XVIII de Furetière e Trévoux omitiam as pedras preciosas da receita, mas ainda definiam um restaurant como sendo um preparado semimedicinal, enquanto a vultosa Encyclopédie de Diderot e D'Alembert (1751-1772) relacionava "restaurante" como um "termo médico" e apresentava conhaque, grão-de-bico e chocolate como exemplos de substâncias "restaurativas" (2). Muitos livros de receitas franceses do século XVIII continham extensas receitas à base de caldo chamadas restaurants, que prometiam restabelecer a saúde de pessoas que padeciam de doenças crônicas e o sabor a molhos insípidos (3).

Os restaurants desse período diferiam de todos os demais caldos por sua natureza muito concentrada, já que, diferente dos tipos mais populares de consomês, eles eram quase sempre preparados sem a adição de líquidos. O produto final, depois de um procedimento de cozimento de exatidão alquímica, era um caldo da essência de pura carne. As receitas normalmente pediam uma variedade de carnes — presunto, vitela e alguma ave (galinha, perdiz ou faisão) — que seriam lentamente cozidas durante muitas horas em uma caçarola bem tampada ou no bain marie (banho-maria). Segundo os especialistas, o prolongado cozimento iniciava o processo de decomposição da carne, permitindo que ela chegasse parcialmente digerida a quem fosse comê-la. Nas palavras apetitosas de uma receita, um restaurant tinha o benefício de ser um alimento sólido transformado em "uma espécie de quilo artificial" (4). Pensava-se que, desse modo, os restaurants fornecessem a nutrição da carne necessária, que aquece o sangue sem sobrecarregar o debilitado sistema digestivo de um doente crônico.

O restaurante como um espaço social urbano surgiu do consomê. No princípio, nos últimos vinte anos do Antigo Regime, entrava-se em um restaurante (ou, como eram mais comumente chamados, na "sala de um restaurateur") para beber caldos restaurativos assim como se ia a uma cafeteria para beber café. Os primeiros restaurateurs serviam poucas refeições sólidas e anunciavam seus estabelecimentos como sendo especialmente adequados àqueles que tinham estômago muito sensível para fazer uma refeição à noite. Em sua forma inicial, portanto, o restaurante era um lugar em que se entrava não para comer, mas para se sentar e, debilitado, sorver um restaurant. Diferindo das estalagens, tabernas ou casas de pasto por suas mesas individuais, seus consomês salutares e seus horários livres, esses primeiros empórios de restaurants pouco tinham em comum com a imagem hoje evocada pelas palavras "restaurante parisiense". Nos anos 1820, porém, os restaurantes da capital francesa — com seus cardápios em quatro colunas, comensais confusos e garçons de polidez instável, se pareciam com esses a que estamos familiarizados hoje. O restaurante havia se tornado uma verdadeira instituição cultural, entre os mais familiares e distintivos marcos parisienses (5).

Muito depois de meados do século XIX, os restaurantes permaneceriam um fenômeno quase exclusivamente parisiense. Raramente se encontrava um deles fora da capital francesa. Em Paris, turistas americanos e ingleses maravilhavam-se com os restaurantes, destacando-os entre as atrações "mais peculiares" e "mais notáveis" da cidade (6). Em 1844, John Durbin, reitor do Dickinson College, escreveu que jantar em um restaurante era "em muitos aspectos uma coisa peculiar de Paris", diferente de tudo que ele havia experimentado ou visto em Nova York, Filadélfia ou Londres; uma década depois, o livro infantil Rollo à Paris explicava cuidadosamente que em Paris ninguém ficava em uma pensão, mas alugava quartos em um hotel e jantava onde mais lhe aprouvesse (7).

Os visitantes estrangeiros não eram os únicos a crer que os restaurantes de Paris tornavam a cidade ímpar: já em 1851, funcionários locais de quase dois terços dos departamentos provincianos da França relataram que suas jurisdições não possuíam um só restaurante (8). Todavia, quando o governador da província de Var informou ao ministro do Interior que em seu departamento não havia restaurantes, não estava dizendo que todas as refeições consumidas lá eram preparadas em casa; as estalagens, afinal, haviam satisfeito os viajantes durante séculos, e as cantinas quase sempre serviam algum tipo de alimento para acompanhar o vinho e o conhaque. Ao contrário, o governador estava simplesmente dizendo que a mera oferta de refeições em público não era suficiente, na opinião dele, para qualificar um estabelecimento como um "restaurante". Seu colega muito confuso na região do Sarthe também informara: "Visto que todos os estalajadeiros aqui servem refeições a forasteiros e já que todos os restaurateurs alugam quartos, não temos nenhum restaurante de verdade" (9). Embora ele houvesse usado o termo "restaurateur" para se referir aos fornecedores de refeições preparadas, o governador de província era contrário a chamar um estabelecimento onde quartos eram alugados, e cavalos e pessoas eram alimentados, de "restaurante". Pois uma aura de sofisticação urbana, novidade e mistério ainda se ligava ao termo e ao espaço, e quando as pessoas falavam em "restaurantes" havia um significado muito específico nisso.

Do caldo de carne do século XVIII ao estabelecimento comercial do século XIX, da minixícara de sopa ao excesso rabelaisiano, da sensibilidade à política: essas são transições que definiram o termo "restaurante". O restaurante, como nós o conhecemos hoje, representa a tradução de um culto de sensibilidade setecentista no sentido do paladar oitocentista: a mudança do valor socialde uma época no adorno cultural de outra. A substituição do caldo pela prodigalidade foi quase inevitável; antes há uma complicada história a ser contada aqui, história cujos temas muitas vezes considerados desconexos — revistas de restaurantes e banquetes políticos, inovação elegante e ciência iluminista, ardor revolucionário e hierarquias estéticas, flertes adúlteros e concocções medicinais — sobrepõem-se e se entrelaçam. Nos últimos 230 anos, o restaurante passou de uma espécie de spa urbano a um fórum público "político", e depois a um refúgio explícita e ativamente apolítico. Do princípio ao fim, essas transformações foram menos uma progressão numa série de etapas claramente definidas e mais um processo contínuo e contestatório, no qual toda nova compreensão do lugar ocupado pelo restaurante na vida de Paris abria a possibilidade de novas reavaliações e começos criativos. Os padrões explorados neste livro não são lineares, mas emergentes.

Partindo-se da concepção aceita e da cronologia estabelecida, que durante muito tempo insistiram em que os restaurantes eram ilegais até a Revolução Francesa, começo este livro em meados do século XVIII. Em franco desenvolvimento, os restaurantes do início do século XIX não raro remontam à época em que a Revolução extinguiu as rígidas guildas do Antigo Regime e os revolucionários provincianos sem-cozinha por elas levados a Paris (bem como seu papel no desemprego dos chefes de cozinha de aristocratas decapitados ou emigrantes), mas essa abordagem do restaurante como um epifenômeno revolucionário proporcionou apenas insights mais limitados de seus antecedentes do Antigo Regime. As análises propostas do lugar do restaurante na vida de Paris, sustentadas pelo imenso abismo da Revolução, apenas evocaram temas e tropos comuns: no princípio não havia restaurantes, mas então houve a Revolução, depois da qual surgiram restaurantes que se pareciam muito com os de hoje. Todavia, por mais esclarecedora que seja a imagem de um abismo, há algo problemático e incompletamente histórico em determinar a origem de uma instituição cultural em um momento de ruptura originária mítica. Embora essa perspectiva seja, a seu próprio modo, altamente reveladora, ela ocultou o restaurante (assim como outros supostos subprodutos da Revolução), fato que se designou, sutilmente, "amnésia da gênese": um mal muito difundido que atribui efeitos específicos e contingentes da história a uma "modernidade" revolucionária indefinida (10).

A crença na "modernidade" simples do restaurante confinou sua história a uma espécie de gastro-hagiografia, na qual a descrição anedótica de refeições pródigas e pratos deliciosos toma o lugar de uma análise mais matizada (11). Delimitado em sua forma iconográfica oitocentista, o restaurante teve sua história esvaziada e, de certo modo, naturalizada — transformada em uma perfeitamente previsível e medíocre a apetites biológicos. Assim nao restaurante também foi nacionalizado: tratado como um mero descendente da suposta superioridade culinária francesa. Em Paris, os turistas ingleses e americanos do século XIX estavam entre os primeiros a pressupor que o "caráter nacional" local revelava-se nos salões dos restaurantes, mas eles chegaram a essa conclusão depois de investir um bocado de energia emocional em achar diferenças entre suas próprias casas e a terra "do outro lado do mar". Até mesmo para a maioria dos francófilos e os mais entusiasmados visitantes, cada episódio de ostentação do restaurante francês tornava a familiar do inglesa ainda mais desejável, e cada incidência do frágil refinamento parisiense fazia Nova York ainda mais evidentemente "substancial" (12). Embora essas atitudes não sejam lá tão surpreendentes ou mesmo exclusivas do século XIX, é um pouco estranho que os historiadores as tenham aceitado de modo tão incondicional e as registrassem com tanto zelo. Talvez ainda mais estranho seja o fato de os estudiosos e políticos franceses oitocentistas integrarem o restaurante a quase todo relato do excepcionalismo francês e o descreverem, por exemplo, como "uma instituição profundamente francesa, ao contrário de qualquer outro estabelecimento no planeta" (13). Essas alegações ajudaram a estabelecer o restaurante como um ícone da vida francesa e, em conseqüência, até certo ponto, tornaram possível o projeto deste livro, mas dependeram de uma atitude geralmente não-crítica quanto aos processos históricos e textuais por meio dos quais o restaurante se tornara tão emblemático. Considerando os restaurantes como locais pequenos onde ocorre a extravagância culinária "francesa", estudos anteriores têm aceitado sem questionar os argumentos da literatura gastronômica, inicialmente muito polêmicos, em termos de sua supressão das esferas da história e da análise social (como um assunto de "gosto" literal apenas). Meu livro retoma esse tema e culmina com a apoteose oitocentista da culinária. Espero, contudo, que os leitores não vejam o culto gastronômico como uma consumação nem como um final extraordinário. Antes, tratou-se de uma evolução histórica muito específica, outrora totalmente peculiar e hoje bastante banal.

Partindo do ponto em que os restaurantes eram concebidos como um possível lugar para a regeneração social e individual e continuando até o tempo em que essa compreensão deles é quase insondável, este livro delineia a evolução histórica responsável pela definição do restaurante como tema de estudo para gourmets e escritores de guias para turistas (mas não para historiadores ou estudiosos de literatura), e explora como a gastroculinária tornou-se seu próprio campo de conhecimento; como "gosto" distinguiu-se de "bom gosto"; como a estrutura mítica chamada "gastronomia" tornou-se parte dominante do retrato da Paris "moderna". Levando em consideração a importância da total omissão do restaurante no saber erudito anterior, confrontamos o sucesso da gastronomia em definir um domínio do "gosto" aceito como autônomo e nada suscetível a comentários de fora. (De gustibus, afinal, non disputandum est.)(14) Neste livro, procuro apurar o desenvolvimento de práticas específicas para restaurantes e para a sensibilidade gastronômica, em vez de simplesmente aceitar a eterna alegação do gourmet de que "a mesa é um país como qualquer outro, com seus próprios usos e costumes"(15).

Em todos os aspectos, sempre recorro à locução insatisfatoriamente abstrata "o restaurante", como se houvesse apenas um restaurante ou como se todos fossem idênticos e intercambiáveis. Embora essa abstração por vezes possa ser muito vaga ou imprecisa, ela tem a vantagem de destacar o que é comum a todas (ou, pelo menos, a muitas) experiências com restaurantes e de enfatizar as peculiaridades específicas da cultura do restaurante. Comecei este projeto com duas perguntas intencionalmente ingênuas e surpreendentemente simples: "O que é um restaurante? O que as pessoas fazem lá?" Nem sempre foi fácil concentrar-se nessas perguntas, porque estamos todos familiarizados com restaurantes atuais e, na maioria das vezes, imaginamos que um restaurante seja, nas palavras do dicionário Merriam-Webster: "estabelecimento comercialonde são servidos refrescos ou alimentos; uma casa de repasto pública" (16). Na vida cotidiana, não perguntamos "Por que as pessoas vão aos restaurantes?", mas "Que tipo de comida tais e tais restaurantes servem? Onde fica? Quanto custa o jantar? O peixe está fresco? A carta de vinhos é boa?". Estas últimas perguntas, ainda que úteis para distinguir um restaurante de outro, são todas internas à cultura do restaurante — isto é, elas nos fazem sentido porque sabemos o que é um restaurante, mas não podem nos dizer como se tornaram as "perguntas lógicas" a serem feitas acerca de um restaurante (e não sobre uma biblioteca ou mesmo um café). Neste livro, passei longe dessas perguntas habituais a fim de averiguar o que torna o fato de ir a um restaurante, a qualquer restaurante, uma experiência diferente na Paris do final do século XVIII e princípio do século XIX. Como as pessoas pensavam em "sair" para comer (ou para não comer, como bem pode ter sido)? Que novas possibilidades e anseios de interação social o desenvolvimento do restaurante — diferente da pousada, da taberna ou do café — introduziu na vida urbana? Embora pensar e escrever sobre "o restaurante" com tal abstração tenha significado sacrificar propriedades específicas valiosas e fascinantes, também tornou possível abordar uma gama bem maior de ações e significados peculiares a esse novo tipo de espaço semiprivado e semipúblico. Daí este livro preocupar-se principalmente com as práticas e as instituições específicas de todo tipo de "restaurantes" e apenas superficialmente com a ascensão e queda de determinados restaurantes.

Sempre que possível, equilibrei generalizações com análises que evidenciarestaurantes, restaurateurs ou freqüentadores específicos, mas não tentei escrever um estudo da vida e da época da família de Véry (cujos membros e afins dirigiram um famoso restaurante no Palais Royal em grande parte do período coberto por este livro), nem um tributo às permanentes atrações do Grand Véfour ou do Tour d'Argent, nem mesmo uma crônica dos hábitos de jantar de Rousseau ou Balzac. Histórias passadas de jantares franceses sempre ofereceram essas perspectivas e, na maioria das vezes, trataram o restaurante como um ícone do gênio gastronômico francês ou como um fator principal na consolidação do patrimônio culinário da nação (17). Tais estudos, ricos em particularidades e evidências, permaneceram muito descritivos e antiquarianos; basicamente parte da cultura do restaurante em si, eles se contentavam em oferecer as chamadas "excursões a pé" dos antigos palácios da gastronomia e em dispensar as "estrelas" e os "chapeuzinhos" de guias com olhos exigentes e paladares aguçados. Até o metodologicamente astuto filósofo e historiador Jean-Paul Aron aceitou tão completamente essas convenções que seu Art of Eating in the Nineteenth Century (A arte de comer no século XIX) de 1973, restaurantes há muito desaparecidos com estrelas como as do Michelin, concedendo três invejáveis ao Café Anglais, dos anos 1850, enquanto comentava: "Mas eu, que freqüentei Robert's e Rocher de Cancale [dois restaurantes que fecharam pelo menos oitenta anos antes do nascimento de Aron], achei repugnante." (18) Em todos esses estudos, o papel dos restaurantes na vida dos séculos XVIII e XIX foi reduzido a um simples quadro em torno de obras de arte culiária intrinsecamente valiosas; não é de admirar, portanto, que histórias da vida pública e privada, e até da sociabilidade à mesa, raramente mencionassem restaurantes (19).

Este livro segue esse padrão. Em vez de ser um guia de restaurantes, ele conta a história bem mais complicada de como esses guias — e uma sensibilidade gastronômica pública, mais amplamente definida — ocuparam espaço entre os traços marcantes da vida moderna. O que é verdadeiramente estranho sobre o mundo que habitamos hoje não é o fato de um restaurante conquistar duas estrelas e outro nenhuma, mas que alguém pense, antes de tudo, em atribuir tais cotações. Para entender como a lógica de escolha pessoal do restaurante e a avaliação especialista tornaram-se modelos generalizados (considere o uso corrente e difundido da palavra e do conceito "cardápio"), precisamos ver de onde esses modelos vieram e o que foi abandonado ou cortado ao longo de seu trajeto.

Notas:
(1)
Master Chiquart Amiczo, Du fait de cuisine, org. Terence Scully, "Du fait de cuisine par Maistre Chiquart 1420 (Ms. S 103 de la bibliothèque Replace, à la Bibliothèque cantonale du Valais, à Sion)", Vallesia, Bulletin annuel de la Bibliothèque et des Archives cantonales du Valais, 40 (1985): 101-231, citação da p. 188. Philip Hyman gentilmente me chamou a atenção para essa fonte. Todas as traduções do francês são minhas, com algumas exceções anotadas.
Como a palavra "restaurante" não é utilizada para designar uma substância restaurativa, eu a grifei naqueles casos em que se refere a um caldo. Os atributos de um restaurante e de um restaurant quase sempre se sobrepõem, confundindo, de certo modo, a distinção tipográfica.
(2) Abrégé du Dictionnaire universel françois et latin, vulgairement appellé Dictionaire de Trévoux (Paris: Libraires associés, 1762), vol. 3, p. 508. Para ver uma definição de Furetière, citada entre as epígrafes na folha de rosto deste livro, veja Dictionnaire universel, contenant généralement tous les mots français, 3a ed. (Roterdã: Leers, 1708), vol. 3, s.p. Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une société des gens de lettres (Paris: 1751-1772), art. "Restauratif ou restaurant". Minha leitura da Enclyclopédie foi incentivada, e até certo ponto orientada, pelo excelente artigo de Jean-Claude Bonnet, "Le réseau culinaire dans L'Encyclopédie", Annales: ESC, 31 (1976): 891-914.
(3) A maioria dos livros de culinária publicados na França entre 1651 e 1780 (um período de pico na produção desses livros) inclui uma receita de restaurant ou "sopa sem água". Veja, por exemplo, Pierre de Lune, Le Nouveau cuisinier (Paris: Pierre David, 1660), p. 16; Pierre de la Varenne, L'École des ragoûts, ou le chef d'oeuvre du cuisinier, 11a ed. (Lyon: Canier, 1685), p. 34; Massialot, Le Cuisinier royal et bourgeois (Paris: de Sercy, 1691), p. 386; Massialot, Le Nouveau cuisinier royal et bourgeois (Paris: Prudhomme, 1712), vol. 2, pp. 118-119; La Chapelle, Le Cuisinier moderne, 2a ed. (Haia: 1742), vol. 1, p. 62; [Menon] Traité historique et pratique de la cuisine ou le Cuisinier instruit (Paris, 1758), vol. 1, p. 9; [Marin], Les Dons de Comus (Paris: Prault, 1739), pp. 149-153; Dictionnaire portatif de cuisine, d'office et de distillation (Paris: Vicent, 1765), p. 90. Sobre estudos que tratam da escrita e da publicação de livros de culinária nesse período, veja Barbara Ketchum Wheaton, Savouring the Past (Filadélfia: University of Pensylvania Press, 1983); Stephen Mennell, All Manners of Food (Oxford: Basil Blackwell, 1985); Alain Girard, "Le Triomphe de La Cuisinière bourgeoise. Livres culinaires cuisine et société en France aux XVII et XVIII siècles", Revue d'histoire moderne et contemporaine, 24 (1977): 497-523.
(4) [Marin], Dons de Comus, p. 7.
(5) Um dicionário de instituições francesas de meados do século XIX não hesitaria em incluir um verbete para "Restaurant"; veja Auguste Chéruel, Dictionnaire historique des institutions, moeurs, et coutumes de la France (Paris: Hachette, 1855), vol. 2, pp. 1070-1071.
(6) Hezekiah Hartley Wright, Desultory Reminiscences of a Tour through Germany, Switzerland, and France (Boston: William Ticknor, 1838), p. 36; Nathaniel H. Carter, Letters from Europe, 2ª ed. (Nova York: Carvill, 1829), vol. 1, p. 418.
(7) John P. Durbin, Observations in Europe (Nova York: Harper and Brothers, 1844), vol. 1 p. 37; Jacob Abbott, Rollo in Paris (Filadélfia: W. J. Reynolds, 1856), p. 25.
(8) Archives Nationales, Paris (daqui por diante, A. N.) F7 3025 (Census des débitants, 1851-1852). Em 1843, um anúncio de um restaurante recém-inaugurado na extremidade norte da ferrovia Paris-Rouen salientava que os pratos e os preços eram "os mesmos que aqueles encontrados em qualquer estabelecimento parisiense fino", Le Charivari, 5 de maio de 1843.
(9) A. N. F7 3025.
(10) Richard Terdiman, seguindo Pierre Bourdieu, empregou essa noção de modo muito proveitoso em sua análise da cultura e da literatura oitocentistas. Veja do mesmo autor Present Past: Modernity and the Memory Crisis (Ithaca e Londres: Cornell University Press, 1993), em especial, p. 12.
(11) A propósito dessa abordagem de escrever a história do restaurante, veja Robert Baldick, Dinner at Magny's (Nova York: Coward, McCann, 1971); Claude Terrail, Ma Tour d'Argent (Paris: Stock, 1974); Raymond Castans, Parlez-moi du Fouquet's (Paris: JC Lattès, 1989); Madame Prunier, Prunier's, The Story of a Great Restaurant (Nova York: Knopf, 1957). Os três volumes de Robert Courtine, La Vie parisienne (Paris: Perrin, 1984-1987) podiam ser denominados uma compilação das vidas dos santos culinários.
(12) Thomas Raffles, Letters During a Tour through Some Parts of France (Liverpool: Thomas Taylor, 1818), p. 77; J. Jay Smith, A Summer's Jaunt Across the Water (Filadélfia: J. W. Moore, 1846); Henry Matthews, The Diary of an Invalid (Londres: John Murray, 1820), p. 480; Caroline M. Kirkland, Holidays Abroad; or Europe from the West (Nova York: Baker and Scribner, 1849), vol. 1, p. 135.
(13) Jean-Robert Pitte, Gastronomie française, histoire et géographie d'une passion (Paris: Fayard, 1991), p. 155. Outro notório estudioso faz da invenção do restaurante uma parte da tradição revolucionária francesa, declarando que o sur-gimento dos restaurantes "foi um sinal inequívoco da crise na cultura aristocrata"; veja Pascal Ory, "La Gastronomie", em Pierre Nora, org., Les Lieux de mémoire, vol. 3, parte 2, Traditions (Paris: Gallimard, 1992), pp. 823-853, citação da p. 836. Veja também "Theodore Zeldin, "The French (Nova York: Pantheon, 1982), cap. 17.
(14) Como sugere Bourdieu em sua crítica à estética kantiana, contudo, a percepção do "gosto" fora dos determinantes sociais e culturais é, em si, social, culturalmente (e historicamente) determinada. Veja Pierre Bourdieu, La Distinction (Paris: Editions de Minuit, 1979), em especial o posfácio.
(15) Alexandre B. L. Grimod de la Reynière, Almanach des gourmands (Paris: Chaumerot, 1809), vol. 5, p. 233.
(16) Webster's Third New International Dictionary (Springfield, Mass.: Merriam, 1961), p. 1936.
(17) Sobre a noção cada vez mais importante de "herança culinária" da França, veja os artigos na Revue des deux mondes, janeiro de 1993, que inclui as contribuições de figuras do governo, chefes e educadores.
(18) Jean-Paul Aron, Le Mangeur du XIXe siècle (Paris: Robert Laffont, 1973), p. 80. Uma outra pesquisa dos restaurantes antigos de Paris alega ser "um passeio pelas ruas e pela história"; veja Beatrice Malki-Thouvenel, Cabarets, cafés, et bistros de Paris: Promenade dans les rues et dans le temps (Paris: Hovarth, 1987).
(19) Uma antologia sobre "a mesa e a sociabilidade" não menciona os restaurantes; veja Martin Aurell, Olivier Dumoulin e Françoise Thelamon, orgs., La Sociabilité à table, Actes du colloque de Rouen, 14-17 de novembro de 1990 (Rouen: Université de Rouen, 1992). A história da comida e da dieta está em vias de se tornar uma subdisciplina estabelecida mas raramente se referiu ao restaurante. Na verdade, um inventário recente de obras dentro de "história da comida européia" nem mesmo considera os "restaurantes" um tópico que valha a pena indicar. Veja Hans J. Teuteberg, org., European Food History: A Research Review (Leicester: Leicester University Press, 1992).

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- Caldo inaugura a história do restaurante

     

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