Folha Online sinapse  
30/11/2004 - 03h18

Inclusão com obstáculos

Karina Klinger
free-lance para a Folha de S.Paulo

Integrar e ensinar, e não somente tolerar —entender a distinção entre os dois tipos de atitude é fundamental quando o assunto é a inclusão na rede pública de crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais, como os alunos com deficiência visual, auditiva, física ou mental. De um lado do debate, a orientação de integrá-los em classes regulares; de outro, a qualidade do ensino.

No começo deste ano, o Ministério da Educação apresentou dados animadores: o censo escolar mostrou que o número de matrículas de alunos especiais na rede pública cresceu 229% nos últimos anos, de 43.923 em 1998 para 144.583 em 2002. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação recomenda que a escolarização de pessoas com deficiências seja realizada na rede regular de ensino e siga os passos da Declaração de Salamanca, assinada por 98 países, que prevê os direitos educacionais de todas as crianças. Mas o país faz jus à palavra inclusão?

"É claro que existem iniciativas bem-sucedidas. No entanto, se o acesso às escolas cresce a cada ano, as instalações arquitetônicas precárias, a falta de investimentos financeiros, a carência na oferta de material didático-pedagógico e a capacitação insuficiente ou inexistente de professores ainda dificultam todo esse processo", afirma a pedagoga Benigna Alves Siqueira, que defendeu tese de mestrado sobre o assunto, em agosto, na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).

Após acompanhar sete crianças da primeira e da quarta série do ciclo 1 do ensino fundamental em uma escola pública de Francisco Morato (município da Grande São Paulo), ela constatou que a escola sabia pouco sobre esses alunos. No grupo dito de inclusão, havia estudantes que a escola achava que não aprendiam, por exemplo, o aluno com constantes problemas de indisciplina ou o que apresentava dificuldades com o conteúdo.

"Para a escola, os incluídos eram os alunos que fracassavam. Somente dois estudantes eram realmente deficientes mentais", afirma. Segundo a pedagoga, todas as crianças do grupo tinham de dar conta do mesmo programa de ensino, até aquelas com diagnóstico de deficiência mental. "Um dos alunos nem sequer tinha um caderno, pois não conseguia acompanhar os colegas. Durante as aulas, ele andava pela classe como se não participasse do grupo", relata a pesquisadora, que trabalha com crianças com deficiência mental há mais de 15 anos.

"Apesar do esforço e da boa vontade do professor, do diretor e do vice-diretor, a escola não tinha uma equipe multidisciplinar, com psicólogo, fonoaudiólogo e psicopedagogo, para trabalhar com tais alunos. Esse tipo de equipe costuma fazer diferença no processo de aprendizado de alunos especiais", diz Benigna. Como resultado, as crianças com deficiência acabam passando por um processo de gradativa exclusão, e não de inclusão. "Desacreditadas, elas passam a ser vistas apenas por seus fracassos. A escola não enxerga o que o estudante pode fazer, mas só o que ele não consegue realizar", aponta em sua pesquisa.

Na opinião do pedagogo José Geraldo da Silveira Bueno, professor da pós-graduação da PUC, os processos de inclusão são falhos porque não se faz muito pela qualidade do ensino. "O problema não é só desses alunos. Outros estudantes aprendem muito pouco, os deficientes aprendem praticamente nada", diz ele, que, mesmo assim, defende a inclusão em salas regulares. "Em vez de aprender pouco segregado, melhor aprender pouco em um ambiente onde prevalece a diversidade."

Para a pedagoga Maria Tereza Mantoan, da Unicamp, o que dificulta a inclusão na rede pública é que a escola ainda não absorveu a idéia de que o aprendizado é individual e heterogêneo. "Os professores querem respostas semelhantes dos alunos. Como valorizar a diversidade se a prática de ensino segue em direção contrária?", questiona.

Atualmente, cada município ou Estado segue uma política de gestão própria para a inclusão no ensino público. "Damos recursos financeiros para os sistemas de ensino, mas, como são eles autônomos, vale a gestão de cada localidade. O sucesso de cada ação depende do tipo de política desenvolvida", afirma José Rafael Miranda, coordenador-geral de desenvolvimento da Secretaria de Educação Especial do MEC.

Para Edgilson Tavares, ex-coordenador do Instituto Apae, órgão que, entre outras atividades, capacita professores para trabalhar com alunos com necessidades especiais, e consultor da ONG Sense International, que lida com crianças com deficiências visual e auditiva, os cursos de capacitação não são tão simples quanto uma receita de bolo. "Não se inclui ninguém em dez passos. Enquanto não vencermos o preconceito do professorado, não dá para fazer nada. O professor deve entender aquele aluno como mais uma pessoa, e não como um aluno diferente. Em geral, o docente aceita o aluno por dó", diz.

Nem tudo é um mar de lama nesse processo de inclusão. Muitas instituições fracassam, mas algumas poucas comemoram bons frutos, como as escolas estaduais Prof. Rafael Moraes Lima e Major José Marcelino da Fonseca (ambas na zona norte de São Paulo), que têm crianças de inclusão em suas classes regulares. A diferença é que, nessas duas escolas, os alunos com necessidades especiais também contam com o apoio de um projeto da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que oferece salas de recursos, onde o professor pode complementar o trabalho da sala de aula convencional.

"As crianças freqüentam essas salas após as aulas. Lá os professores fazem com que elas trabalhem sua autonomia", explica Mônica Maria Maschietto, supervisora de ensino das escolas. "Trabalha-se, por exemplo, a coordenação motora do aluno. Temos uma criança com paralisia e dificuldade para escrever. Na sala, a incentivamos a usar o computador e assim estimulamos sua coordenação motora", diz Ivete Ramos Lacreta, que dá aulas na Major José Marcelino da Fonseca.

Os alunos incluídos são avaliados de acordo com suas possibilidades: não é exigido mais do que possam realizar. Com seus limites respeitados, seguem o curso regular como qualquer estudante e conseguem se integrar com seus colegas.

     

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